sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Talvez, antes de continuar a contar histórias da tropa que a minha memória vai puxando, e actualizando, para a actualidade, seja útil enquadrar as ditas histórias no que eu pensava e com o que é que eu estava influenciado quanto às minhas funções.
Desde pequeno ouvi o meu pai recordar, com o seu amigo e meu padrinho José Blanc de Portugal, a sua passagem militar por um quartel no Algarve em que este último teria tentado uma experiência bondosa de abandalhamento do pelotão que comandava. Ambos riam à gargalhada com os resultados alcançados - a mais completa barafunda - exigindo depois um reforço terrível de “porradas” para repor “a ordem”.
A segunda historieta passou-se já em Estremoz imediatamente antes da formação do nosso Batalhão. Estando lá colocado e sendo “aspirante” ou “suspirante” a “oficial miliciano” fui nomeado chefe da secção de material de guerra. Tinha vinte e um anos; nunca tinha comandado coisa nenhuma; não sabia absolutamente nada de “material de guerra” e tinha como colegas da secção um sargento sabichão do “quadro” e uma praça com anos de experiência. Logo nos primeiros dias o tal sargento pôs-me um montão de papéis na frente dizendo-me que precisavam da assinatura do comandante do quartel ten. cor. Fontoura. Pensei, naturalmente, que o dito comandante sabia que eu nada sabia daquilo e, sem sequer ler os ditos papéis, dirigi-me ao seu gabinete. Foi um enorme enxovalho porque a primeira pergunta sobre o papel que lhe passei para a mão foi: o que é que quer este gajo neste papel? Fiquei em completo silêncio e fui corrido do gabinete com uma série de advertências: que falta de sentido das responsabilidades! Que falta de respeito para com os “superiores”! Que incompetência descarada etc etc. E nem a minha tímida resposta: mas o sargento sabe tudo! Foi ouvida: – você é o chefe. Bem ou mal, parece que mal, você é que tem a responsabilidade.
Nunca mais, julgo, esqueci a lição de ter de entender a essência das responsabilidades que se têm.
A terceira condicionante foi as palavras do meu pai, dois meses depois repetidas em carta para o Mucondo, quando, muito comovido, me abraçou no cais de Alcântara, na despedida, imediatamente antes de embarcarmos no Niassa: – Tem cuidado, não te armes em herói, mas cumpre o teu dever.
O meu dever ficou assim marcado: – Não deixar abandalhar o pelotão; ir e voltar com todos os homens, isto é, não deixar que houvesse qualquer responsabilidade minha na morte de alguém do meu pelotão e, naturalmente, não me “armar em herói” conselho que evidentemente era dispensável mas que eu entendi como não deixar que o pelotão tivesse intenções heróicas. Guiei-me sempre por estes objectivos e por isso escrevi no tal diário, no final da comissão, que tinha feito o que o meu pai me aconselhara. Com muita sorte, porque o nosso batalhão foi muito bem comandado e disso dependia, em primeiro lugar, a essência da coisa.

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