quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O segundo ano

O segundo ano de comissão foi, como já está dito, passado no Grafanil como tropa de intervenção à disposição do comando chefe. A notícia que assim seria foi considerada por nós uma verdadeira tragédia porque acreditáramos que seríamos recompensados pelo nosso esforço e passaríamos o segundo ano numa qualquer vilinha do litoral, com muita praia, sanzalas perto, e sem ameaças de guerra. Mas a verdade é que a tal intervenção acabou por ser bastante descansativa porque logo de início passámos mais de um mês numa fazenda chamada de Bom Jesus, onde, muito mal instalados, dávamos protecção à engenharia enquanto estes abriam uma estrada. Voltámos lá uma segunda vez, onde infelizmente de acidente morreu um homem nosso o que me fez, e ainda faz, a maior das impressões. O Bom Jesus era muito incómodo: dormíamos em barracas, a casa de banho foi construída por nós porque quando chegámos os “anteriores nem isso tinham feito”, uns incompetentes, pensávamos; Mas quanto a guerra não havia e os dias passavam sabendo-se que dentro em breve voltaríamos a Luanda. Depois fizemos, que me lembre, as operações que já contei do helicóptero Puma, a última do rio Zala, a intervenção como polícias a que, confesso, achei a maior das graças por causa do ridículo do nosso aparato nada policial, e uma outra enorme, a nível de Região Militar, com comandos, aviões a jacto e canhões que foi, naturalmente, um falhanço estrondoso sem resultados nenhuns porque o suposto inimigo, se o havia, com tanto barulho não ficou à nossa espera para levar no coco. Lembro porém que a certa altura estávamos num alto de um morro, junto a um enorme canhão e os “artilheiros” dispararam-no, sem avisar ninguém: estabeleceu-se a maior das confusões com parte do pessoal a procurar abrigo para se proteger do ataque a que estávamos a ser sujeitos! O Zé Aragão, do primeiro pelotão, acrescentava a esta história, creio que para a melhorar e para com ela rirmos a bandeiras despregadas, que um soldado, com o susto, se enfiou num oco de uma árvore, ficando com os pés para cima e sem conseguir de lá sair, ouvindo-se apenas a sua voz: tirem-me daqui!
No Bom Jesus tive um momento de maior tenção com o capitão, já não sei as razões, a propósito de uma emboscada que ele me mandou fazer. Amanhã ou depois escreverei sobre as relações entre os oficiais. Na altura pareceram-me impossíveis. Hoje penso que também tivemos sorte em ter um capitão que gostava e sabia do seu ofício. Nada comparado com um outro oficial de cavalaria do quadro, de nome Martins, creio que cruz de guerra, que fez o meu espanto quando estando eu cadete de dia, ainda em Santarém, e ele oficial de dia, num sábado, primeiro correu-me, porque eu estava mal fardado e tinha uma boina que parecia “um avião”, de grande que era para a minha cabeça, ameaçando-me com cadeia (sic: vais daqui vais mas é para a cadeia!) se em dois tempos não aparecesse “bem ataviado”, e, depois, durante o resto do fim-de-semana de convívio e graçolas queixou-se da “merda da tropa” tendo-lhe eu perguntado: – mas então porque é que o senhor é do quadro? Ao que ele respondeu, textualmente: “hó meu amigo, antigamente um oficial de cavalaria de manhã jogava o ténis e à tarde andava a cavalo, agora é que é esta merda”.

2 comentários:

  1. O capitão Martins era um que falava "pelo nariz". Por isso o chamávamos Martin, com som nasal, com sotaque francês.
    Um dia o filho, de cerca de 5 anos disse-lhe:
    - Papá, quero fazer chichi!
    E o pai, em vez de levá-lo à casa de banho, responde-lhe como se estivesse a falar com um recruta:
    -Desenrasca-te, pá! És filho de um militar!
    E o miúdo, todo envergonhado lá aliviou a bexiga em plena parada.

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  2. O Cap. Martins era ao que eu julgo o inimigo de
    estimação do nosso Taxa tanto que antes de ir
    fazer a rendição no Grafanil ele disse:
    Gomes,Pinho e Pina Silva se apanharem algum
    barrete desse sujeito, pagam do vosso bolso

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