sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um Ano Novo cheio de paz e amor

A quadra é o vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma

FERNANDO PESSOA

Aos que gostam da minha poesia, obrigado por gostarem, aos que não gostam, obrigado por terem de me aturar mais à minha poesia.

Hoje deixo-vos um cheirinho à mais popular forma de poesia: A quadra.

1
Olhar nos olhos de alguém
E falar sinceramente
É difícil para quem
Não diz aquilo que sente

2
Se não sabes nunca digas
Que foi assim ou assado
Quem não sabe as cantigas
Não canta, fica calado

3
Morena de olhar triste
De triste faz-me chorar
Essa tristeza que existe
No triste do seu olhar

4
Quando o silêncio é um grito
Bem dentro do coração
Brada em nós um som aflito
Sobe a força da razão

5
Tantas penas eram bem
Penas por me ter achado
Como o galo que as não tem
Por já estar depenado

6
Ondas que vêm e vão
Águas salgadas da vida
Lágrimas do meu coração
Neste cais da despedida

7
Tenho um livro onde escrevo
Palavras que nunca li
E nesse livro me atrevo
A ler o que não escrevi

8
Venho da floresta verde
E trago o que não entendo
Um sorriso que se perde
Na vida que vai morrendo

José Diogo Júnior

Um grande abraço a todos

"Mucondo onde o sol castigou mais"


Procissão no Mucondo. A fé nunca nos abandonou...
Formatura dos "Aramistas" em dia de pré...

Temporal no Mucondo. O Alferes Chaves e o Pereira recolhem a bandeira...




Torreão de Vigia




Vista aérea do aquartelamento













Vista aérea do Mucondo.
O cemitério logo à entrada com as campas devidamente alinhadas...


Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692



























sábado, 25 de dezembro de 2010

Ó sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia
Dolente na tarde calma
Cada tua badalada
Soa dentro de minh'alma

Mote de Fernando Pessoa

Glosa

Hoje é dia de Natal
E embora esteja feliz
Em meu peito algo me diz
O que eu já sei afinal.
É lá longe em Portugal
Que minh'alma passeia
De saudade já tão cheia
E tão despida, tão nua
Que mais me parece a tua
Ó sino da minha aldeia.

No sossego do montado
Onde é rei o alecrim
Ninguém se lembra de mim
Como aqui és tu lembrado.
Por muito ser procurado
Nas entranhas de minh'alma
O teu som ainda acalma
E cura a minha tristeza
Trazendo a tua beleza
Dolente na tarde calma.

Vejo ao longe o horizonte
Onde o céu a terra beija
E esta saudade deseja
Cheirar as urzes do monte
Beber água na tua fonte
Ver no alto levantada
A tua torre tão amada
Como a boa sentinela
Oiço da minha janela
Cada tua badalada.

Saudades levas-as o vento
Como palavras de amor
Como conselhos do Senhor
Nas asas do pensamento
Sem deixarem um lamento
Nem gemido que acalma
Minha oração te salma
E mostra a minha paixão
E como a tua canção
Soa dentro de minh'alma.

José Diogo Júnior

Feliz Natal e Próspero Ano Novo a todos os camaradas da ccav.2692 e suas famílias.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal

Nem todos os dias são iguais, nem todas as festas têm o mesmo sabor, nem todas as ocasiões se repetem, nem sempre os sentimentos se conjugam.
Há alguns anos atrás, o Natal para muitos (de nós) jovens era apenas um dia mais, no calendário da incerteza da guerra, um dia talvez em que nos sentíamos ainda mais tristes, disfarçando a tristeza numa cervejita com que humedecíamos a língua que mastigava o frango com massa (ou a massa com frango?).
Um dia em que ainda recordávamos, no silêncio apertado do peito, a família, a namorada, a mulher, os filhos, os pais, os avós, os irmãos, os parentes que, no trágico frio longínquo do "puto", se recolhiam, silenciosamente, no manto da saudade acre e incerta do desconhecimento da sorte que, nesse preciso momento, o filho, o namorado, o marido, o pai, o neto, o irmão, estaria a acontecer.
Um dia disfarçado de risos, com o coração dilacerado de saudade e (porque não dizê-lo abertamente?) do medo da morte mais do que provável. Ou, arredando a tão pior das hipóteses, do frio, do calor, da sede, da fome, dos ataques das formigas, da violentação da consciência que rege qualquer ser humano na preservação da paz, da solidariedade, da fraternidade?
Hoje, como ontem, com protagonistas diferentes e em cenários diferentes e diversos, o Natal continua a ser o alento de muitos na mesma caldeira onde fermenta o ódio, a discriminação, a intolerância, a exploração humana, que do Natal apenas guardam uma réstia de esperança num mundo melhor.
Que seja essa réstia de esperança que continue, apesar das dificuldades, a guiar o rumo dos que acham que a vida vale a pena ser vivida, com esperança, com fraternidade, com tolerância, com respeito por todos os seres vivos. Guardando, é certo, uma réstia também de saudade por todos os que, tendo partilhado o percurso da nossa vida, já partiram.
Um feliz Natal, agora que já não temos na meia a formiga, no sapatinho a G3 e no "gingle bells" o matraquear do fogo inimigo!...
A todos os camaradas, a todos os familiares, os votos de um Natal o melhor possível. A todos os que já partiram, um gesto de profundo respeito, de saudade, mas também de uma saudação forte de "PRESENTE"!
António Gonçalves

Boas Festas

Ao aproximar-se o Natal aproveito esta oportunidade e este meio para endereçar a todo o pessoal da CCAV 2692 e suas famílias umas Festas Felizes e com a saúde possível.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"FELIZ NATAL E UM ANO DE 2011 MAIS SOLIDÁRIO"


Quero desejar a todos os camaradas da ccav 2692 e suas famílias um Santo e Feliz Natal e um NOVO ANO mais próspero e solidário. Envolvo neste desejo também as famílias dos companheiros que entretanto nos deixaram.

Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"

Capítulo

No Niassa rumando ao desconhecido.
Saí do comboio com um saco de lona às costas e uma mala mal amanhada (por acaso não era de cartão), que para não rebentar pelas costuras, estava atada com uma correia que mais parecia a cilha dum cavalo.
Na dita levava alguma roupa civil, uma máquina fotográfica a pedir reforma ,umas linguiças, uns queijos alentejanos, duas garrafinhas de bagaço e um gira-discos que me acompanhou durante toda a minha passagem pela guerra, comprado um mês antes de assentar praça. No saco de lona, que por sinal era em segunda mão e estava um pouco roto, levava a roupa militar que não entreguei quando do espólio em Estremoz, a que juntei uma farda camuflada e o respectivo quico, um par de botas de lona e um ponche, que comprei numa loja em Montemor-o-Novo de artigos usados para a caça.
Dos 10 contos que recebi do Exército para compra de equipamento não cheguei a gastar 2, o resto foi para a viagem e para me aguentar nos dias que passei em Luanda até receber o 1º vencimento de furriel.
De tal maneira a minha indumentária camuflada estava usada que eu mais parecia um “veterano” no meio daquela maçaricada toda.
Assim que coloquei um pé fora do comboio fui rodeado pela minha família e pela minha namorada que hoje ainda é a minha mulher, que fizeram questão de me vir apresentar os cumprimentos de despedida e, nunca mais me vou esquecer, da mãe do Pina Silva que muito pesarosa me pediu para tomar conta do filho. Os termos em que se me dirigiu foram mais ou menos assim:
- Peço-lhe que ajude o meu filho pois ele é um azarado e tudo lhe acontece. Perde tudo e, o que não perde, deixa roubar. Agora até as botas e a gabardine lhe roubaram. Diga-lhe que não se esqueça de escrever à família….
Claro que descansei a senhora, prometi-lhe que ia tomar conta do Pina Silva e que o iria obrigar a escrever.
Lembro-me também de ter recebido as despedidas das senhoras do Movimento Nacional Feminino, que me elogiaram pela minha disponibilidade para dar o coiro pela pátria e me pregaram o vício de fumar. Deram-me dois maços de tabaco Porto e um isqueiro a gasolina, que por ser já muito conhecido da tropa tinha a denominação de “Ronson da picada”.
Os poucos rendimentos que tinha enquanto gaiatão provinham apenas da apanha de caracóis (quando se deixavam apanhar), de pássaros, coelhos e lebres que caíam nas armadilhas que montava durante a noite e que vendia às tascas da minha terra.

O meu pai sempre me disse “quem não tem dinheiro não tem vícios”. Razão porque nunca tinha fumado antes.
Depois foi subir as escadas do Niassa, deixar a bagagem num camarote que escolhi mesmo em frente as casas de banho e vir para um ultimo adeus aos meus familiares e a Lisboa, que na verdade era a minha terra de nascença, não fosse o diabo tece-las e regressar dentro dum caixote….
Essa vida de marinheiro começou de facto a dar cabo de mim. Os dias e as noites a bordo do Niassa eram de facto cheias de actividade programadas com todo o cuidado.
Dormir, comer e jogar a tudo em que se podia ganhar ou perder dinheiro. Lerpa, king, bingo e corrida de cavalos (sem cavalos claro), as bestas éramos nós, em que as mesas dos bares apenas vagavam durante as refeições.
Tal “penosa” actividade apenas foi interrompida quando estive de serviço, que por sinal foi no último dia do “cruzeiro", quando tive que fazer cumprir as ordens que o Taxa Araújo (Comandante da Companhia) me transmitiu, no sentido de obrigar os soldados a recolher aos porões, pois não era permitido dormir na coberta do navio.
Tenho bem presente o que um dos meus mecânicos (penso ter sido o Brito) me disse:
- Furriel já foi lá abaixo ao “inferno”?
Envergonhado por me ter esquecido dos homens que tinha sob o meu comando directo (condutores e mecânicos auto), virei-lhe as costas e encaminhei-me para as escadas de acesso aos porões.
Desci o primeiro lanço de escadas e comecei a ter dificuldades em respirar devido ao cheiro intenso que vinha do interior do navio, mistura de suor, chulé, vomito e sei lá mais o quê, que tornava a atmosfera irrespirável. Só me apetecia fugir.
Enchi-me de coragem e dei uma volta pelos locais em que os soldados dormiam e ainda hoje não encontro palavras descrever o que observei.
Enquanto os Oficiais e Sargentos bebiam, jogavam e tinham refeições ao som da música de um piano, a “carne pra canhão” estava amontoada em redes, esteiras e colchões que entupiam os porões do Niassa.
Ditosa Pátria que tão bem tratou os seus filhos.
De volta à coberta, com a boca e o nariz tapados com um lenço, acabei também eu a vomitar…
Quando atracámos no outro dia, no porto de Luanda, não estranhei ver as ambulâncias do exército preparadas para receber soldados, arrancados das profundezas do “inferno”, que mal se sustinham em pé tal a forma desumana como tinham sido deixados ao abandono.
Eu, com a minha bagagem, tomei lugar no comboio que me iria depositar no Grafanil de forma a continuar na guerra, não sem antes comprar um bom cacho de bananas a um dos negritos que deambulavam pelo cais. As bananas no continente eram um luxo para o Alentejano.
Enjoado mas ainda afinado.



Clemente Pinho. Ex. Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692












terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Histórias da tropa

Realmente não pensava falar da tropa no RC 3,mas como o Pinho falou e a participação tem sido tão modesta,
até os Padrinhos do Blogger não contribuem para animá-lo esperava mais,principalmente do Tavares logo
ele que no Mucondo escrevia mais aerogramas que os Furrieis todos juntos.
Depoi de tirar a recruta no EPC, escola de rigor e militarismo,tive a sorte de ir tirar a especialidade para Tavira que nada tinha a ver com a situação anterior,bastava ter positiva nos testes que o fim de semana era
certo as minhas botas tinham tanta pomada que bastava puxar o lustro para brilharem.
Julgava eu que a cavalaria tinha acabado até saber que o destino me reservou, como em Santarem tinha dado
"voluntarimente" sangue, isto a troco de uns dias de licença que ainda estou à espera, pensei:
vai ser a unidade mobilizadora a pagar o que me devem, dito isto,aí vou eu a caminho do RC3.
Quando lá cheguei fui ter com o Of.dia que até era oCap. Furtado Dias depois de dizer ao que vinha disse então. Acho melhor cortar o cabelo,antes de ir à secretaria,pode ir agora que está autorisado.
Lá fui ao barbeiro que havia em frente ao quartel e de seguida ,novamente quartel, já na secretaria diz-me
osargento,já ouviu falar no D.S. com esse cabelo é F.... certa, e lá fui eu outra vez ao barbeiro, finalmente
apresentei-me ao Taxa e que me disse:nosso Cabo Miliciano: na minha companhia não quero beatles,
vá cortar o cabelo. Ali não havia 2 sem 3.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"


Capítulo 5º

Estremoz. C.Cav. 2692- Batalhão 2909

Corria o mês de Março de 1970, num domingo à tarde apresentei-me no Quartel de Cavalaria de Estremoz para tomar conta do meu novo posto de trabalho, na Companhia de Cavalaria 2692. Fui na véspera da apresentação pois não tinha transporte de manhã.
O Oficial de Dia à Unidade a quem me apresentei, informou-me que só na 2ª feira estaria alguém da companhia para me receber e, quando lhe perguntei onde iria dormir, orientou-me para um antigo convento (São João de Deus), local onde poderia escolher um quarto, que iria ser o meu enquanto durasse a minha estadia em “estágio”.
E lá fui eu direitinho ao anexo à procura da suite, onde deixei toda a minha bagagem, não sem antes preparar a caminha com roupa de cama que desencantei já não me recordo onde.
Sem preocupações com a dormida, comecei por dar uma volta por Estremoz para me ambientar acabando por “assentar arraiais” no Águias de Ouro, café restaurante da elite da cidade e também paradeiro dos oficiais e sargentos da Unidade.
Conversa puxa conversa, copos e mais copos e acabei por conhecer o Pina Silva e o Gomes (o Amaral não tenho a certeza se também estava), contratados igualmente pelo Exército Português para assumir as pastas de enfermeiro e transmissões.
Foi de facto uma noite do caraças e recordo com saudade as palavras do Pina Silva quando lhe disse que era de Montemor-o-Novo:
- És de Montemor, então deves conhecer o Barreiros e o Barroso?
Quem não conhecia o Barreiros e o Barroso. Eram de facto amigos meus de escola, ambos enfermeiros no Hospital Militar de Évora, local onde o Pina Silva iniciou a vida militar.
- Eu ainda sou mais bêbado que eles!
Bêbado não sei mas um pouco passado dos carretos era de certeza (na terra dele tinha a alcunha do maluco da Farinha Branca) e, graças a essa realidade, conseguimos fazer passar uma mensagem que ainda hoje é recordada em Estremoz.
Topem só. Em pleno Águias de Ouro um de nós gritava “Se vires uma cobra e um alentejano o que é que tu fazes” o outro respondia de imediato “Eu matava o Alentejano e deixava a cobra”. Quando a malta começava a reagir indignada o Pina Silva com a sua conhecida calma levantava-se e dizia “Alto. Eu também sou Alentejano”.
Foi uma noite do caraças e só quando o Águias de Ouro fechou recolhemos aos nossos aposentos, devidamente instalados num opel record que não tinha onde cair morto e com uma enorme disposição para furar.
No dia seguinte de manhã, com uma enorme ressaca e de novo instalados no opel record, entramos pela portão de acesso das viaturas e no meio da neblina (estava um nevoeiro do caraças) avistámos o que poderia ou não ser o nosso batalhão.
É não é, de indecisão em indecisão quando saímos “do monte de latas” todo o pessoal tinha desaparecido e a parada estava completamente vazia, não havia viva alma. Óptimo, voltámos de novo pra dentro da viatura e dormimos até próximo da hora de almoço, pois fomos acordados pelo comandante da unidade que nos perguntou se pertencíamos ao batalhão e,após a nossa confirmação, nos pediu desculpa pela interrupção da soneca.
À tarde já formámos com a nossa companhia, mas a apresentação ao Capitão Taxa Araújo só foi efectuada ao 2º ou 3º dia, com o Sargento Pires a andar de pelotão em pelotão a perguntar onde raio estavam metido os cabos milicianos aramistas, pois ainda não se tinham apresentado na companhia.
A vidinha corria-me às mil maravilhas. De dia dava instrução de condução aos meus condutores e mesmo sem GPS (na altura não havia tais modernices) não errávamos uma única tasca das aldeias e povoados à roda de Estremoz. À noite era Águias de Ouro ou desenfianços até Montemor, à minha casa, ou a Veiros a casa duns familiares do Ribeiro, local onde o Gomes quis beber por um garrafão que encontrou numa arrecadação e ingeriu uma valente golada de azeite que até ia vomitando as tripas.
Esta vida de “cavaleiro” (não me podia esquecer que mesmo sem cavalo eu integrava um batalhão de cavalaria) estava a dar cabo de mim e a minha sorte foi eu querer retomar um hábito antigo. Ir à saída da missa…
Lá fui eu com o Gomes à igreja, que era mesmo ao lado da porta de armas do Quartel, e boca daqui piropo dacolá, conseguimos convencer a V… e a L…., era assim que se chamavam as duas moças, a passear connosco no jardim público da cidade.
Acabaram-se as noitadas de copos e passámos a estar de “plantão” à porta da escola à espera que as nossas estudantes nocturnas saíssem. A protecção proporcionada levava-nos a passar por um túnel mesmo por detrás do edifício onde dormíamos e que tinha uns recantos mais que apropriados para a “marmelada”. Que maravilha…
A vidinha corria normalmente até aos exercícios finais da companhia que foram programados para a Serra de Ossa.
Foi aí que eu consegui mais ou menos alguma credibilidade junto do Taxa Araújo, comandante da companhia, pois foi-me distribuída a organização do aquartelamento no que diz respeito à distribuição e montagem das tendas de campanha e as portas de entrada, que de facto não é pra me gabar mas ficaram mais ou menos à maneira.
Pra mal dos meus pecados o Gomes, cabo miliciano aramista meu amigo e responsável pelas transmissões decidiu e muito bem, que tinha que aprender a conduzir. Vai daí pediu cá ao Alentejano, cabo miliciano ferrugento e responsável pela gestão das viaturas, que o ensinasse a conduzir.
O Gomes tinha cá um poder de argumentação que até parecia que tinha sempre razão e vai daí, na primeira oportunidade, estava com o cu assentado junto ao volante do jipe land rover que me estava distribuído e, eu ao seu lado, a ministra-lhe alguns ensinamentos sobre a forma de dominar a máquina.
Das duas uma, ou eu não sabia ensinar coisa nenhuma ou o Gomes não tinha cabeça para uma aprendizagem demasiado rápida.
Foi o bom e o bonito. Em vez da primeira o “transmissões” enfiou a marcha atrás e com uma aceleração forte enfiou dentro da tenda em que dormíamos. A nossa sorte foi que um rádio serviu de calço e o jipe estacou antes de se precipitar serra abaixo, o que seria uma verdadeira tragédia.
Todos os pelotões estavam em operação (simuladas claro) e no aquartelamento improvisado apenas estavam os aramistas (condutores, mecânicos, cozinheiros, padeiros etc., etc..) que transformamos de imediato em costureiros e munidos de fios, cordas e arames reconstruímos a tenda.
Foram noites de pesadelo as que passamos na Serra de Ossa até ao final dos exercícios com medo da “barraca” vir abaixo. O pior era quando o nosso grande amigo Sargento Pires entrava a rastejar pra dentro da mesma e erguia-se, amparado ao poste central, com o cantil de bagaço na mão a dizer-nos que estava na hora de tocar a sentido.
Meu deus como nós afinávamos com os beços (lábios tinha o nosso capitão) no clarim (cantil) até que o calor nos subia à cabeça e vencia o frio da serra alentejana.
Foi com profundo alívio que no último dia desmontamos a dita cuja, que depois de enrolada foi atirada para cima da viatura que a transportou para a arrecadação de material.
Já nos safemos, foi o desabafo colectivo…
De volta a Estremoz, depois de fazer o espólio em que fiquei com praticamente todo o equipamento com utilidade futura, recebi as divisas de furriel e lembro-me de ter saído duas ou três vezes pela porta de armas para receber a “continência” da praxe.
Voltei a Estremoz um dia antes de tomar lugar no comboio que me foi depositar junto ao cais, onde vi pela primeira vez o Niassa, que me levou sem escala até Luanda.
Já não havia motivo para desalinhar. A sorte estava lançada.
Clemente Pinho – Ex-Furriel Miliciano Mecânico Auto. C.Cav. 2692

domingo, 5 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"



Capítulo 4º

Cabo Miliciano/E.P.S.M.

Que maravilha, o Alentejano era Cabo Miliciano Mecânico Auto e para possibilitar a vingança do “Sabão Amarelo” ia continuar a sua vida de militar em Sacavém.
Abro um pequeno parêntesis para dar uma ideia do indivíduo com quem eu tive que lidar até ao final de Fevereiro de 1970, com um pequeno intervalo de 30 dias porque fui destacado para o CICA 3 em Elvas, para tirar a carta de condução.
“Tipo alto, forte, cabelo ruivo (razão da alcunha) completamente rapado de lado fazendo lembrar um puro soldado alemão. Como 1º Sargento da Secretaria toda a orgânica da Unidade lhe passava pelas mãos, nomeadamente as dispensas, toques de ordem, distribuição do pré, alimentação, escalas de serviço, etc., etc..
Dava-se ao trabalho de vir todos os dias da semana fazer o render da parada, de forma a não perder o controlo do império que construiu.
Os bufos, arregimentados a troco de dispensas, passavam-lhe toda a informação necessária para fazer prevalecer um autoritarismo amparado por um profundo conhecimento do regulamento de disciplina militar, que sabia de cor e salteado.
Se até os sargentos e oficiais temiam o “sabão amarelo”, eu resolvi que devia ficar no meu cantinho de forma a passar completamente despercebido. Era de facto o maior desafio que tinha que enfrentar até que o destino me pregou uma valente partida.
Comecei a entrar na escala de serviços, que fui cumprindo com a ajuda dos meus camaradas mais antigos e a vidinha corria-me de feição. Adorava quando me calhava fazer de “Polícia de Unidade”, em dia do recebimento do pré. Era um fervilhar de soldados à procura de mudar o óleo no olival pegado ao quartel, onde era frequente alguém gritar “fujam p…. que vem aí a ronda”. Dava de facto gozo ver correr p…. e soldados, que por vezes só paravam na vedação da auto-estrada.
Estava eu de Sargento de Dia dentro da unidade e seguindo o que normalmente os meus camaradas faziam, não efectuei a formatura de recolher aos cabos milicianos que em Sacavém era obrigatória.
Na manhã do outro dia, quando fui apresentar na Secretaria o relatório, achei estranha a forma como o 1º Sargento (o tal de sabão amarelo) me fez apressar a assinatura do mesmo e a sua interrogação sobre a existência ou não de faltas na formatura de recolher.
Até parece que foi hoje, pois ainda na minha memória guardo as palavras que me foram dirigidas.
- Então nosso Cabo Miliciano já assinou o relatório? Não faltou ninguém à formatura de recolher pois não?
Eu argumentei:
- Não meu primeiro não faltou ninguém e já assinei o relatório onde não registei qualquer ocorrência.
O tal de sargento recolheu rapidamente (o que eu estranhei) o relatório da minha frente e pregou-me, é assim o termo, com uma comunicação que tinha chegado do Hospital Militar registando a entrada de um Cabo Miliciano pertencente à E.P.S.M. de Sacavém, atropelado entre Moscavide e Sacavém.
Por azar meu o camarada atropelado não tinha dispensa de recolher e foi então o bom e o bonito.
- Gritou, barafustou comigo e acabou por me dizer que eu tinha mentido em relação à formatura de recolher, que não a fiz e que portanto tinha uma desobediência muito grave, razão porque ia de imediato fazer a participação da ocorrência.
Pegou numa folha de papel azul e de facto começou a participação onde depois de registar a minha identificação, efectuou a primeira pergunta:
- Fez ou não fez a formatura de recolher aos Cabos Milicianos?
Eu de facto naquela época era mesmo desalinhado e respondi:
- Não meu 1º Sargento, não fiz de facto a formatura de recolher aos meus camaradas. Podia mentir e dizer que alguém tinha respondido por ele, mas prontamente seria desmentido pelos “bufos” que tem às suas ordens. Concordo com a formatura de recolher aos Cabos Milicianos desde que também sejam incluídos os Sargentos Milicianos, pois fazemos exactamente os serviços que eles fazem, caso contrário vai ter que estar sempre a fazer participações de mim sempre que eu esteja de serviço.
Encerrada a participação foi a mesma colocada à minha frente para eu assinar e eu depois da ler com todas as calmas recusei assinar, argumentando que faltava inserir a minha argumentação em relação à falta cometida.
O “Sabão Amarelo” até mudou de cor. Não alterou a participação e eu não assinei.
Com um curriculum já bastante agradável cheguei à formatura para receber o pré e quando estava a estender a mão para receber a “esmola” que me pagavam por serviços relevantes à Pátria (agora pagam muito mais a parasitas que não fizeram metade do que eu fiz) ouvi o 1º Sargento dizer ao Comandante da Escola “o homem da participação é este” e seguidamente a informação de que me deveria apresentar, após a distribuição dos dividendos, no seu gabinete.
O Comandante da Escola, que era um Capitão, que reagiu muito mal ao facto de eu não ter assinado a participação, disse-me tudo como os malucos mas como eu nunca fiquei calado e argumentei sempre, acabou por me dizer que o castigo que me iria aplicar seria mais para dar uma satisfação ao “Sabão Amarelo” .
Um mês todo de Sargento de Dia à benfica. Alinhei tanto de encarnado que agora não os suporto…
Passado este contratempo tinha que me meter noutro. Incitação a um levantamento de rancho no refeitório dos sargentos.
Comia-se mal, mesmo muito mal, dada a forma em como o “ Sabão Amarelo “ desviava o dinheiro destinado a alimentação.
Toda a gente comentava, não havia nem cão nem gato que não barafustasse mas lá iam comendo a porcaria que nos era servida, até um dia….
- Hora de almoço. O “rancho” para Sargentos tratava-se de “estilhaços de bacalhau” com batatas (vulgarmente denominado de bacalhau à braz), só que tal como das outras vezes mais parecia argamassa usada na construção para assentar tijolos.
Das palavras passamos aos actos e a comida do dia começou a ficar colada nas paredes do refeitório, nalguns casos até com prato de alumínio agarrado e, juro que não fui o primeiro a atirar mas devo ter sido o segundo.
Foi o bom e o bonito. Comandante, Sargento e muitos mirones apareceram no refeitório e as identificações começaram a ser anotadas.
Eu, Cabo Miliciano Clemente Marques Pinho, com o nº mecanográfico 143670/69, chamado novamente à presença do Comandante como principal instigador de um acto considerado para a época de “revolucionário”.
Mais uma vez a minha argumentação e a minha frontalidade me safou e saí do gabinete do Comandante com a certeza que a minha mobilização para Angola se mantinha (não me mandavam para Guiné talvez com medo que eu acabasse com a guerra) , mas apenas com mais um mês de Sargento de Dia à “Benfica”. É possível eu gostar dos encarnados? Claro que não….
Começaram a surgir melhorias importantes na alimentação graças a frontalidade de um 2º Sargento de nome Magalhães, que foi de facto quem mandou a primeira pedra (prato à parede), e que teve a coragem e honestidade de se assumir como responsável pelo incidente.
O meu 2º mês de castigo foi cumprido em Outubro de 1969, mês de eleições, em que todas as Unidades estavam de prevenção e não havia dispensas para ninguém, sendo até obrigatório que toda a tropa se apresentasse nos seus aquartelamentos.
Tal situação proporcionou-me uma possibilidade enorme de me baldar que eu soube, novamente graças à minha irreverência, aproveitar.
Durante o mês de prevenção apercebi-me da presença de três camaradas da minha terra que pertenciam aos quadros da Escola do Serviço de Material e que eu nunca tinha visto, nem sequer numa formatura de recolher.
Falei com eles e descobri o segredo.
Era tão fácil, pois era só abdicar do dinheiro do pré mais o valor das refeições. Lá vou eu direito à Secretaria pedir dispensa para o mês de Novembro e foi mais ou menos assim:
- Meu primeiro eu necessito de pedir dispensa para o mês de Novembro e, se possível, a começar já depois de amanhã que é Sexta-feira, pois tenho que ir ajudar os meus pais a apanhar a azeitona (qual azeitona qual quê, só se lha dessem).
A resposta do Sabão Amarelo:
- Nosso Cabo Miliciano lamento mas não pode ser, já dei muitas dispensas para Novembro e na sexta-feira é dia de pré, você tem que estar para o receber.
Já sabedor da tramóia argumentei:
- Meu primeiro o dinheiro do pré e das refeições é uma gota de água comparado com o que os meus pais vão pagar se eu não tiver para os ajudar, quero lá saber do que tenho a receber.
De imediato me mandou ir buscar os 30 toques de ordem, que eu já levava preenchidos e assinados, foi só carimbar e lá ia de abalada a caminho de Vila Franca de Xira, para a apanhar boleia na portagem, não sem antes passar pela “Casa dos Courates” e comer uma boa sande acompanhada por um “penalty” do tinto.
Este procedimento repetiu-se nos meses de Dezembro de 1969, Janeiro e Fevereiro de 1970 e de Sacavém, apenas recordo com saudade as rondas aos Bares, ao Olival e os bailaricos na Bobadela e no Prior Velho.
O “Sabão Amarelo” viu-se assim livre de mim, com algum lucro claro.
Voltei novamente a alinhar…
Clemente Pinho – Ex-Furriel Mecânico Auto da C.CAV. 2692










sábado, 4 de dezembro de 2010

A Mais Rude Escola de Guerra

Ter saído do Mucondo para Luanda foi do agrado de todos, não obstante a guerra continuar à nossa espera em zonas onde o risco era sempre elevado. Pudera! O importante era sair do mato, e passar a curtir a cidade, com tudo o que ela oferecia, tanto de dia como de noite.
Mesmo as saídas para as acções como tropa de intervenção eram vistas pelo aspecto positivo. À saída pensávamos “daqui a tantos dias estou de volta à cidade”. E quando efectivamente voltávamos de cada acção respirávamos de alívio por termos sobrevivido a mais uma operação. Era como se já tivéssemos chegado a casa.
Pois uma das saídas como tropa de intervenção foi para Zalala, que penso ficar para os lados de Carmona, actual Uíge, não muito longe aliás do nosso Mucondo. Tenho ideia de termos saído de madrugada, e ao início da tarde tivemos de parar em Samba Cajú para reabastecimento. Esgotado o combustível na bomba, ficámos bastante tempo à espera que despejassem bidões de combustível para o depósito para podermos atestar o resto das viaturas.
A certa altura deixámos a estrada principal e começámos a descer. Lá no fundo do vale surge um muro, que contornava em redondo uma alargada curva, onde estava escrito em letras impecavelmente desenhadas “ Bem-vindos a Zalala, a mais dura escola de guerra”.
A minha cabeça, que estava muito longe dali, levou com um balde de água gelada e um calafrio percorreu-me de alto a baixo. A bela cidade de Luanda e a praia da Corimba tinham realmente ficado para trás. Afinal tínhamos voltado novamente à guerra, à mais rude escola de guerra! Maldita guerra!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Histórias da nossa tropa

A minha história de hoje,tem duas finalidades: recordar factos passados e ao mesmo tempo homenagear o Sar.
Pires a quem muito fiquei a dever,não só eu como todos os Furrieis em especial os ditos aramistas.
Como sabemos,ele só chegou ao Mucondo uns dias depois de nós,creio que foi nomeado para dar uma ajuda
aos camaradas da CCS. Logo que chegou, começou a verificar a quantidade de barretes que os velhinhos nos
enfiaram.Quando chegou ao posto de rádio pediu-me a folha de carga e começamos a conferência do material
Depois de várias folhas sem importância de maior,ele pergunta: onde é que estam as telas de balizagem?
Ao que eu respondi : acho que é isto ,mostrando umas tiras de pano de várias cores numa parteleira.
Isso são bocados de lençol disse-me ele,éque eu nunca tinha ouvido sequer falar em telas de balizagem(são
umas tiras coloridas que se colocam no chão para poisio dos helicópteros).
Temos de fazer um auto de abate,vamos dizer que a formiga branca destruiu as telas ,não acha seu maçarico?
Assim foi salva uma situação,penso que todos os meus camaradas que tiveram problemas idênticos, ele ajudou a resover.
Quero deixar aqui um bem haja a este Homem,esteja ele onde estiver.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"

Capítulo 3º

Cheguei a Sacavém, à Escola Prática do Serviço de Material, com a energia necessária para me tornar um mecânico da treta.
Primeiro objectivo era ficar nos primeiros lugares do curso pois tinha todas as possibilidades de evitar a mobilização, tarefa que se me afigurava muito difícil pois nesse ramo de "negócio"eu era de facto um nabo.

Esse meu "enorme" esforço de aprendizagem, que diga-se de passagem foi de facto muito cansativo para um Alentejano, acabou num tremendo fracasso pois nesse ano nenhum ferrugento escapou à mobilização.

Fiquei de facto bem classificado mas não foi por sabedoria, pois digo em abono da verdade que não sabia a ponta dum corno do ofício e, exemplo disso, conto dois episódios demonstrativos do meu desempenho laboral:

1º - Um dia estava eu a montar umas velas no motor do Jipe e atirei propositadamente uma carrapeta de uma delas para dentro do cilindro respectivo, a fim de estudar o comportamento do motor e ao mesmo tempo me divertir um pouco. Assim que coloquei o motor a trabalhar começou uma estouraria que mais parecia o Porto em Dia de São João, que só parou quando a maldita carrapeta se derreteu e possívelmente saiu pelo tubo de escape. Nem rasto da dita cuja...

Remédio santo, deixaram de me distribuir trabalhos especializados.

2º - Enveredei então para a actividade de lavador e polidor de peças. Dois ou três dias depois de iniciar a minha nova actividade levei uma tremenda "piçada", (parece-me que era assim que se dizia na época) do Capitão Soares, que tinha a alcunha de cabo 8 (ao que parece andou precisamente 8 anos na escola de cabos) meu comandante de instrução.

Era uma excelente pessoa mas nesse dia apanhou-me a lavar as maxilas e os calços de travão de um Unimog com gasóleo e disse-me depois de muitas coisas, que eu tinha era o 5º ano da coisa da tia. Claro que não disse "coisa" mas foi parecido.

Tive sorte, o Capitão Soares de alcunha Cabo 8 simpatizou comigo devido ao meu ar rebelde e um pouco (muito) destravado e comecei a ser o intermediário entre os meus camaradas e o comandante, sempre que necessitavamos de dispensas ou fins-de-semana mais alargados e, isso foi a causa da minha desgraça.

O Sargento da Secretaria apenas levava a despacho ao Comandante da Unidade, os passaportes que entrassem na Secretaria até à 10 horas da manhã.
Numa sexta-feira o Capitão Soares, nosso comandante de instrução, chegou eram quase 11 horas e eu muito à pressa fui solicitar-lhe a assinatura nos passaportes, que distribuí pelos meus camaradas , e em passo acelerado fomos direitinhos à secretaria.

O Sargento (que eu não me lembro nome) mas cem anos que eu viva nunca irei esquecer a alcunha "Sabão Amarelo"ia saír a despacho e recusou-se a receber as dispensas. Saí dos carretos e nem sequer pensei nas consequências do meu acto, rapidamente recolhi das mãos dos meus camaradas os passaportes e desandei para o gabinete do Capitão Soares, não ligando sequer ao Cabo da Secretaria que o Sargente mandou logo de imediato atrás de mim.

Novamente junto do meu comandante de instrução mal tive tempo para dizer que merda de unidade era aquela pois um sargento mandava mais que um capitão, pois de imediato saíu em passo mais que acelerado direitinho à secretaria, comigo e o cabo atrás. Parecia uma procissão...

Não dá pra reproduzir o que o sargento teve que ouvir e, nesse momento compreendi a razão dele ter sido cabo durante 8 longos anos.

Depois desse episódio e enquanto durou a especialidade o tal "Sabão Amarelo" tratou-me sempre cordialmente, mas deixou bem claro que esperava por mim quando eu passasse a pertencer aos quadros da unidade.

E assim foi. Acabada a especialidade vi grande parte dos meus amigos saírem para outras unidades e eu fiquei em Sacavém até Março de 1970. Já nem o Capitão Soares(Cabo 8 ) me podía valer....

Nesta fase era obrigado a ficar alinhado, mas voltei a desalinhar e paguei bem caro por isso.

Clemente Pinho - Ex.Furriel Mecânico da C.CAv. 2692

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"


Capítulo 2º

Como fui parar em “mecânico auto”
Eu, que nem carta de condução tinha e de meios de locomoção apenas sabia alguma coisa sobre a construção dos carrinhos de rolamentos com que descia as rampas do castelo de Montemor-o-Novo, em miúdo claro.
É uma história curiosa o que vou contar.
Faltava não mais de 15 dias para terminar a recruta e jurar bandeira quando o Sargento meu amigo, o tal do depósito de equipamento, veio à minha procura para me levar à presença do 2º Comandante da Escola Prática de Artilharia, o Tenente Arranhado.
E lá fui com ele ao gabinete do tal Arranhado e, pelo caminho, ia tentando me lembrar de algum incidente, fora ou dentro do aquartelamento, em que me tivesse envolvido. Será que tinham descoberto os meus desenfianços ao fim-de-semana?
Entrei no gabinete e recordo-me de ter ouvido o Sargento de nome Merca dizer para o Tenente apenas isto “aqui está o homem” e sair.
Fiquei cara a cara com o homem, muito atrapalhado e convencido de que estava feito ao bife, até ele me perguntar;
- Chama-se Clemente Pinho?
- Conhece o Sr. Armando Alho? Sabe que ele é um grande amigo meu?
- Não tem em seu poder uma carta dirigida a mim?
Fiquei atrapalhado e disse para comigo “ estás mesmo feito” e balbuciei;
- Sou de facto o Clemente Pinho, conheço o Sr. Armando Alho e tenho em meu poder uma carta que lhe é dirigida no caso de eu necessitar alguma ajuda…
O homem ficou completamente admirado por eu não ter utilizado uma cunha que qualquer um nas minhas condições não deixava de aproveitar.
Lembro-me perfeitamente de ficar sem reacção quando o Tenente me diz;
- Então não precisa? Tem tido bons testes? Quer ir para atirador? Quer ser mobilizado? Não quer cumprir o resto da tropa aqui em Vendas Novas?
Respondi-lhe:
- Já escolhi as especialidades, mas o Aspirante do meu pelotão disse-me que devido aos meus testes físicos e escritos vou com toda a certeza para atirador.
O Tenente Arranhado voltou a argumentar.
- O seu Aspirante não tem que dar palpites, diga lá o que é que escolheu.
Eu respondi:
- Escolhi Artilharia de Campanha, para a possibilidade de ficar em Vendas Novas. Escolhi Artilharia de Costa e Mecânico Auto.
O dito cujo tenente mandou-me esperar e ausentou-se do gabinete durante uma eternidade (não mais de 15 minutos) e quando regressou disse-me:
- Artilharia impossível pois as vagas que tinham já estavam preenchidas, mas podia contar com a especialidade de mecânico auto.
Antes de sair do seu gabinete pedi-lhe desculpa por não lhe ter entregue a carta e perguntei-lhe se podia explicar as razões de tal acto, o que ele consentiu.
- Então é assim.
- O Armando Alho era o senhorio da habitação onde morava e tinha a fama e o proveito de ser um incorrigível mentiroso. Mentia tanto que por vezes se convencia que falava verdade.
Era do tipo em que se eu lhe dissesse que tinha uma máquina de barbear com rádio acoplado, ele argumentava logo que também tinha uma com televisão e tudo. De facto era um tretas do caraças, mas como era rico ninguém o desmentia e até achavam graça.
Num dos primeiros fins-de-semana que vim a casa (já não me recordo se desenfiado ou não), encontrei o meu pai a falar com o dito cujo Armando Alho, que morava na porta ao lado, que ao ver-me fardado e com as insígnias da “Artilharia”, me perguntou se eu estava em Vendas Novas.
Após a minha confirmação, levou-me ao seu escritório e escrevinhou prá li uma carta que eu tinha que entregar em mão ao seu grande amigo Arranhado. Vai daí ainda parece que o estou a ouvir:
- Meu rapaz na segunda-feira pedes logo para falar com o Tenente Arranhado e entrega-lhe esta carta em mão ouviste? Olha que se trata do 2º Comandante da Escola e como tal pode-te ajudar no que precisares.
Pensei cá pra mim:
- Então o Comandante da minha bateria de Instrução é um Major, que raio é que um Tenente me pode ajudar e, na sequência deste pensamento, deixei ficar a cartinha no armário. Azar o meu…
Como ainda era “maçarico” desconhecia que a hierarquia de comando da Bateria de Instrução nada tinha a ver com a da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas.
Rimo-nos os dois e saí do gabinete com a certeza de que o meu destino seguinte seria Sacavém.
Fiquei menos desalinhado pois ia continuar a minha formação militar numa unidade que, segundo informações de amigos, era uma rebaldaria (desde que se tivesse cuidado com o sabão amarelo) o que para mim era ouro sobre azul, pois eu era de facto “um baldas do caraças”.


CLEMENTE PINHO. Furriel Miliciano – Mecânico Auto – C.CAV. 2692

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

“Como eu entrei na Guerra”

“Como eu entrei na Guerra”
Capítulo 1º
Corria o ano de 1968 quando entendi não pedir adiamento do serviço militar para continuar a estudar.
Deixei pró que desse e viesse e fui chamado para assentar praça em Vendas Novas, no primeiro Curso de Sargentos Milicianos.
Dia 9 de Janeiro de 1969, eu e mais sete companheiros de escola, alguns desde a primária, apresentámo-nos no Quartel e assim iniciei a minha odisseia de combatente.
Por sorte o Sargento encarregado do depósito de equipamento estava casado com uma moça minha conhecida e toda a roupa e calçado que me foi distribuído assentava que nem uma luva, ao contrário de companheiros meus que rodavam dentro das botas e das calças. Enfim coisas da tropa de então.
Eu tinha 20 anos, jogava futebol, andava de festa em festa só para participar nas largadas de touros, que adorava e às 2ªs feiras na parada todo o meu corpo vibrava e se arrepiava, quando por entre o rufar dos tambores e o som da fanfarra , alguém dizia em voz muito solene “ No início de mais uma semana de instrução vamos lembrar os nossos camaradas que em terras de África, Ásia e Oceania lutam, sofrem, morrem e se engrandecem …” . Eu era de facto um exemplar nato de “carne pra canhão”.
Para azar meu fui colocado no 3º Pelotão da 1ª Bateria de Instrução, comandado por um Aspirante do Porto chamado Teixeira Lopes, auxiliado por um Cabo Miliciano tipo chico esperto a quem, cerca de um mês depois, estive vai na vai para lhe apertar o papo.
O 3º pelotão da EPA (Escola Prática de Artilharia) denominado escravos do TL (Teixeira Lopes), Escravos da Escola Penal Alentejana, Limpa Paradas, enfim uma série de nomeações que nos tiravam do sério e nos obrigavam a tomar algumas atitudes impensadas para a época.
Só para terem uma ideia. O meu companheiro da direita na formatura era um Algarvio, de que não me recordo o nome, mas a quem demos e muito bem a alcunha de “Sorna”. O nosso “sorna” em relação a este a que me refiro era um Ferrari.
Em dias de ordem unida era uma completa desgraça, razão das denominações que o pelotão granjeou. O amigo algarvio tirava-nos do sério pois a sua movimentação era de tal maneira lenta que destoava de toda a movimentação do pelotão e como tal nos obrigava a fazer horas suplementares até máquina estar afinada. Flexões, cangurus, rastejar com ou sem lama era o nosso fado até que um dia me tirou do sério e lhe apliquei um murro em pleno cachaço, que o obrigou a ir de focinhos ao chão mesmo em frente ao Aspirante.
Claro que lhe tive que cair logo encima e, enquanto gritava que o homem tinha desmaiado com o cansaço, disse-lhe ao ouvido o que o esperava se desse com a língua nos dentes.
Remédio santo, trigo limpo farinha amparo como se dizia na altura. O algarvio saiu da situação de letargia em se encontrava e passou a ser um bom companheiro.
Durante o tempo da recruta vi os fins-de-semana praticamente todos cortados ou por a cama estar mal feita ou por deixar as malas debaixo da dita cuja, situação que não inviabilizava o meu “desenfianço” até casa , que estava a cerca de 20 kms., preocupando-me apenas em cumprir com as formaturas e horas de recolher.
Lembro-me perfeitamente de que numa noite me debrucei sobre a minha cama e chorei, tal era a minha angústia por ter que aguentar quatro anos num ambiente que já me começava a dizer pouco.
No dia do Juramento de Bandeira foi com enorme satisfação que eu ouvi o Teixeira Lopes pedir-nos desculpa pela forma como nos tratou durante a recruta , acentuando que a sua intenção foi a de preparar homens em que podia confiar em qualquer situação de combate.
Compreendi a situação mas comei a ser um desafinado…
CLEMENTE PINHO. Furriel Miliciano – Mecânico Auto – C.Cav. 2692

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aos Camaradas da C. Cav. 2692

Hoje deixo-vos um pequeno poema, pequeno e simples, tal e qual como eu sou.
Foi escrito há muitos anos e revela, que de facto, eu sentia uma certa nostalgia dos tempos de África.
Este poema faz parte do meu livro:Ecos da Erra Velha.

De todos sinto saudade
Porque jamais esqueci
Aquela velha amizade
Que de todos recebi

Recordar os tempos idos
Que em Angola vivemos
São afectos repartidos
Pelas saudades que temos

Um abraço, mil abraços
Continuam a esperar
Até que eu vos possa ver

Talvez breve os meus passos
Orientem meu andar
para o sul do meu viver

José Diogo Júnior in Ecos da Erra Velha
Dêm também uma vista de olhos em:http://poesiademinhaalma.blogspot.com

Mais histórias

Quando estávamos no Mucondo como era sabido,as transmissões tinham de funcionar 24 horas.
Além disso o Cap.queria saber o conteudo de qualquer mensagem logo de imediato. Chegou uma que versava
o seguinte: Barraca segue deste para essa na próxima coluna...
Como eram quase 3horas da manhã,mas obedecendo às ordens,o Rui que tinha cifrado a dita,foi bater à porta
do quarto do Cap. para lhe dar conhecimento que de imediato lhe disse:
Vai chamar o furriel Gomes quero saber para que é a merda da barraca,depois de me perguntar se eu estava
maluco,é que se deu conta de que mais uma vez tinha ignorado por completo os códigos que eu mensalmente
colocava na gaveta do seu gabinete.
Esta passagem serve de algum modo para lembrar o Rui Silva que a colaboração dele está muito fraca....

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Outras Histórias

Caro amigo João Vieira, já tinha pensado que as recordações tinham acabado...
Só que as vezes a memória trai-nos,não foram dois dias mas sim algumas horas acredito que pareceu-nos 2 dias eramos para chegar às 18 e chegamos próximos da s 24. O que interessa é que chegamos e estamos vivos
para recordar.

O Regresso

A última história que me lembro da nossa “guerra”, depois de ter estado uns dias a pensar, é a do regresso. Fomos dos primeiros a utilizar os novos Boeings 707 que a Força Aérea comprou para transporte de tropas. E termos sido dos primeiros teve um preço! A nossa Companhia, que foi, se a memória está certa, a última a embarcar, quase um mês depois do que deveria ter sido, dirigiu-se toda lampeira para o aeroporto no dia aprazado, de onde, todos contentes, levantámos voo em direcção à almejada Lisboa. Apenas nove horas nos separavam do fim do que nos parecia ter sido um pesadelo. Mas o destino pregou-nos ainda uma partida. Pouco depois de levantar o avião começou a circular Luanda e o mar e como nós éramos uns desprezíveis passageiros, nada nos foi dito, continuando o avião a descer e a subir e às rodas sem se fazer à estrada! Até que, uns bons quarenta minutos depois, tornámos a aterrar em Luanda! Esperámos ainda dois dias para voltar a embarcar e, aí sim, virmos direitos para Lisboa!
Penso que, com esta memória, encerro a minha participação neste blog mas queria fazê-lo com uma espécie de declaração. Como ficou dito fiz tudo o que pude para “cumprir o meu dever” na forma que defini. Acho que uma das razões porque o fiz foi porque eu acreditava na utopia de que Portugal tinha a obrigação de “construir novos Brasis”, como a propaganda da época dizia. Há uns cinco anos voltei mais uma vez a Angola e vi, sem possibilidade de retorno, uma sociedade semelhante a um Brasil. Escrevi então num artigo que afinal tinha pertencido à “última geração” de portugueses que, ao longo dos séculos, defendeu, com armas na mão, uma ideia maior do que as nossas próprias forças, ideia essa, utopia que fosse, se concretizara, como tantas outras loucuras dos portugueses.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MILITARÃO E DIPLOMATA

As qualidades de "militão"atribuidas ao Comandante de Batalhão Ten.Cor.Duarte Silva, já foram, por diversas vezes, referidas em anteriores comentários, o que, no entanto, para nós sempre foi evidente.Recordo-me, ao fim deste tempo todo, de uma passagem ocorrida no Mucondo, aquando de uma programada "operação a nível do batalhão" com início no nosso Quartel. Na data da concentração do pessoal estava eu junto dos meus papeis a tentar conciliar o custo da "ementa" com o custo da "verba atribuida" quando o cabo mecânico Brinquete, me aborda no sentido de eu, simples Vagomestre, ir comandar o pessoal destinado a proteger quem, necessáriamente, tinha a função de pôr a trabalhar a bomba que abastecia de água o nosso quartel, ainda por cima, nessa altura com muita gente que necessitava de tomar banho. Até aqui tudo bem. Ora eu, estava vestido (como era natural dentro do quartel) de farda de terylene. Perante tal solicitude urgente, indadevertidamente, vesti o dolmen camuflado e coloquei na cabeça o "quiko" da farda de trabalho, catucheira ao cinto e G3 na mão e lá fomos.Escusado será dizer que ia mal uniformizado.Felizmente correu tudo bem. Só que quando a viatura que nos transporta regressou ao quartel constatei que na zona de estacionamento das viaturas o espaço estava cheio, que significava que o Comantante já tinha chegado, o que queria dizer, que caso ele me visse, lógicamente me chamaria a atenção, tendo dito ao pessoal que me acompanhava que dispersasse no meio de tanta gente que por alí circulava. Tal como pensei assim aconteceu, quem deu nas vistas fui eu, pois que, estando a tentar desaparecer daquele espaço, ouço aquela voz inconfundível a chamar por mim: - Amaral! Amaral!. Escusado será dizer que tive de me apresentar, tendo ouvido o seguinte: - Olhe lá ó Amaral, sabe-me dizer se já estamos no Carnaval?. A minha resposta imediata foi: - Meu Comandante , sinceramente, dado que aqui no mato os dias são todos iguais nem sei ao certo. E ele insistiu dizendo: -Mas ainda lá não chegámos?. Disse-lhe (o que havia de dizer?) que não. E então, com aquela sua maneira calma e com a "diplomacia", que, também o caracterizava, mandou-me embora dizendo: - Então se ainda não estamos no Carnaval que se "brinque" só nessa altura. Penso que nem sempre com o ditos palavrões militares se repreende um subordinado. Teria defeitos mas também tinha as suas virtudes. Para terminar digo que não me arrependo que tenha tomado a iniciativa de, depois de 18 anos, em 1990, quando organizei em Mangualde, em conjunto com o Chaves, o nosso almoço daquele ano, o ter convidado a estar presente pela 1ª vez, a que ele acedeu de imediato. Se me não engano, até vir a falecer nunca mais faltou.
Paz à sua alma.

Histórias da tropa

Como já foi dito a nossa ida para o Grafanil teve algumas vantagens"deixar de estar isolados"
mas a desvantagem de irmos para locais desconhecidos,até foi aí que tivemos mais baixas, o
que eu queria contar creio que passados estes anos até tem graça ...
Estavamos no Bom Jesus e adivinhava-se mais uma das saídas para o mato era a vez do4ºPel.
O Tavares aparece então com uma bota calçada e outra na mão :
Não posso andar ,esta noite levantei-me e bati com um pé na espia da barraca, Sr. dr. que é
que acha?
Nesse estado ele não pode ir diz o Dr. (entre dentes diz o Tavares"mais uma batalha ganha"
É que o acidente tinha sido feito por ele de prepósito, achei graça a esta passagem só não
sei o Dr. topou ou se também foi comido.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Grafanil

Ao falar em Grafanil.faz com que recorde mais uma injustiça em que a tropa infelizmente era fértil. Desta vez fui sem o poder evitar,um dos protagonistas.
Como o Vieira disse, no Grafanil era comun a ida à praia e se havia quem não gostava outros
não deixavam de ir sempre que possivel. O Cap. tinha dito que ía passar revista, mas trocar
uma ida à praia por uma ao barbeiro,era demais para um jovem que ainda tinha estado de
serviço durante a noite.
Chegada a altura da revista o Alfama foi apanhado no apertado crivo do nossoTaxa.
Diz ele (Taxa) já que não cortaste o cabelo,vai ter com o Gato e: cabelo á bola de bilhar!
Capitão não me faça isso, vou conhecer a minha filha e não gostaria de aparecer lá assim...
Ias responde o nosso cap. O homem,saltou-lhe a mola e respondeu, então não corto,
como nós sabemos isso era uma coisa que não podia acontecer, Gomes chame as praças de
guarda e o cabelo tem de ser cortado,a bem ou a mal.
Enquanto ele estava a ser agarrado e desabafando, só não chamou pai ao dito.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vida no Grafanil

Os tópicos que assentei num papel, num primeiro e rápido esforço de memória, das histórias que passaria para este blog, chegam rapidamente ao fim mas para hoje ainda lembrarei a nossa “vida” no Grafanil.
Como já lembrei uma das grandes preocupações era manter o pessoal ocupado. Não era fácil visto que no Grafanil não estávamos só nós. Estava o batalhão inteiro. De modo que depois da formatura das oito, uma das ocupações era, no bom tempo, ir à praia. Para isso havia uma ou duas berliets e uma praia, perto de Luanda, que estava reservada a militares e que se situava em frente da ilha do Mussolo. Sempre gostei de praia de modo que me ofereci para chefe dessa guerra, quantas vezes se me ofereceu, acompanhando os militares que também se ofereciam para esse esforço, quase sempre, como eu, originários de terras perto do mar. Não tinha concorrentes, coisa que me espantava imenso, mas a maior parte dos oficiais do batalhão ainda me agradecia por eu me voluntariar. Saíamos logo após o pequeno-almoço dos oficiais, que era depois da formatura das oito, e voltávamos por volta das onze horas. Estava assim gasta a manhã.
Lembro-me de em uma dessas manhãs estar a olhar para o céu, deitado na areia depois de um décimo mergulho, e surgir um helicóptero que começa a fazer evoluções entre o Mussolo e a praia onde nos encontrávamos e de repente ver desprender-se a asa pequena de trás e, no seguimento, o helicóptero destrambelhar-se por ali a baixo caindo no mar. Li depois que morreram todos os passageiros, oficiais sul-africanos cuja presença em Luanda tinha sido negada na véspera, em todos os jornais, como sendo mais uma calúnia.
Um outro grande acontecimento a partir do Grafanil foi a viagem que o Chaves, eu, o Sá e creio que o Pinho, de outras companhias fizemos num Volkswgem que o Chaves arranjou emprestado de um amigo e que nos levou em quatro dias, dados generosamente pelo comandante, a Nova Lisboa, Sá da Bandeira (Tundavala), Moçamedes, Lobito e Benguela. Mais de dois mil quilómetros mas bem dita viagem que ficou para sempre na memória! Tenho uma fotografia de um indígena, na serra que desce de Sá da Bandeira para Moçamedes, nesse tempo em estrada batida de terra, em que o dito indígena tem umas penas na cabeça, uma tanga, uma lança e o escudo e lembro o diálogo que com ele travei quando me aproximei com a máquina dos retratos na mão. Pôs o escudo em frente à cara e espreitando disse: – são cinquenta pau! Perante a minha indignação e o regateio que se seguiu lá consentiu em receber cinco pau e … foi um pau!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A solidariedade militar

Diz-se que no tempo militar se criam amizades que ficam para toda a vida. Eu penso que não é bem a amizade o principal elo de ligação para toda a vida mas a solidariedade que fica depois de se partilhar um tempo tão intenso. E o exemplo que eu talvez possa dar mais significativo é o do que ficou, passados tantos anos, em relação ao capitão da nossa companhia. Não foram fáceis as relações com ele: um herói, um militarão, um voluntarista ainda por cima sem a experiência, que vem com a idade, que faz diminuir o voluntarismo. Eu serei o contrário de tudo isso. Além disso a principal característica da minha educação foi o da uma enorme liberdade, sem controles, apenas com avisos tipo – Olha que se não fizeres isto ou aquilo vais-te dar mal no futuro. Nunca com ameaças e sempre permitindo a argumentação contrária. A tropa não é nada disto: manda quem pode, obedece quem deve e ponto final. Foi um choque enorme a ida para a tropa! O capitão era para mim, sobretudo no princípio e depois em alguns outros períodos da comissão, a encarnação do mal que me atacava. Mas, no fundo, sempre achei que era melhor estar com alguém que sabia do ofício do que com um amador qualquer e, por outro lado, eu achava que o comandante sempre nos protegeria, a todos, de eventuais excessos do capitão, que aliás acabaram por nunca se verificarem. O que ficou de tudo isto, quase imediatamente depois do fim da comissão? Uma enorme solidariedade. Uma grande admiração pelas suas qualidades militares e uma certa pena por ele ter tido de aturar milicianos como eu: inexperiente, sem gosto nem jeito para o ofício, um rapazola em formação. Pior era impossível!
Quem neste ambiente terrível, sobretudo no início da comissão como por diversas vezes já escrevi, salvava a situação? A amizade entre os alferes que mantive do princípio ao fim, com um ou outro pequeno percalço com o Guia de que não fui o actor principal mas estava solidário com ele, e a companhia na conversa e na discussão amiga do capelão e do médico. Lembro uma noite em que a discussão foi tão intensa que escrevi no meu diário “o capelão e o Chaves são racistas!” coisa que evidentemente nunca foram mas eu talvez gostasse que eles fossem para ganhar argumentos!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ainda as operações

Há mais duas histórias de guerra para mim inesquecíveis embora uma delas me pareça uma enorme mentira nos seus pormenores porque era contada por mim e pelo Zé Aragão com diferentes protagonistas. Esta história passou-se numa operação em que o primeiro e o terceiro pelotão actuaram em conjunto na zona da sede do batalhão em Zemba. Progredíamos na meia encosta de um morro quando, de súbito, fomos flagelados do cimo desse mesmo morro. Rapidamente aproximámo-nos da base do morro em passo quase de corrida (É mais fácil de descer do que subir, já dizia o Veloso de Fernão Mendes Pinto) e aí instalado (conto eu) gritei: onde está o gajo do morteiro? E a resposta veio: o gajo do morteiro sou eu, mas o morteiro ficou lá em cima!
A segunda história passa-se numa outra operação com o Chaves. O meu pelotão vinha à retaguarda num trilho no meio de uma lavra e também fomos flagelados. Atirados para o chão disse aos soldados que estavam à minha frente para disparar dois ou três tiros para o ponto de origem do flagelamento. A ordem terá sido mal compreendida e dos tiros iniciais passou-se a uma fuzilaria inacreditável, com um completo descontrolo de tiro. Fiquei danado e só com muita berraria se conseguiu parar o tiro e continuar a marcha. Essa operação foi aliás uma das que foi completamente falseada pelo Chaves e por mim, graças a Deus.
Falando do Zé Aragão que infelizmente morreu há poucos anos, não posso deixar de mais uma vez lembrar a sua permanente alegria e boa disposição. Fui amigo dele, não muito íntimo, mas desde a infância, na praia, depois num colégio e depois, sem nunca deixar de o ver completamente, em Estremoz de onde íamos e vínhamos juntos todos os fins-de-semana a Lisboa. Na última semana de Estremoz, tendo ele acabado de ser promovido e passado a ter direito a continência à porta de armas, ainda me rio à gargalhada com o que nós nos rimos quando ele, estando eu já cá fora à espera dele, passando a porta de armas e recebendo a continência me diz logo a seguir: - éh pá, viste? Ganda pinta! E realmente é fantástico como mesmo as pessoas que não são sensíveis a deferências, incham com sinais de importância própria mesmo que a importância não fosse nenhuma como era, manifestamente, o nosso caso.

Se Eu Morresse

Um dia uma amiga online fez-me o seguinte desafio: Escrever um poema com o título, se eu morresse.
Contou-me que numa fase menos boa da sua vida pensou em morrer, e tentou escrever um poema com este título, mas não conseguiu.
Talvez por não ser poetisa, disse-me.
Quando recebi a mensagem o meu primeiro pensamento foi para o tempo da guerra em Angola, penso, que todos nós pensámos alguma vez na morte.
Aqui fica o resultado final desse desafio, em forma de soneto.

Se Eu Morresse

Se eu morresse,o meu amor entre vós
Deixaria.Como roseiras floridas,
Perfumando calmamente vossas vidas...
Fazendo companhia aos que vivem sós.

Ficavam minhas saudades como avós
Cuidando dos netinhos, comovidas,
Limpando lágrimas tão sentidas
Que alguém choraria a plena voz.

Levaria comigo os remorsos
D'amizades terminadas bruscamente
Sem direito a mais uma despedida!

Deixaria nesta terra meus esforços
Da labuta que travei amargamente
Na procura de viver a minha vida!

José Diogo Júnior
A boina à “avião” tinha uma explicação. Quando entrei para a tropa em Mafra, numa noite fria de nevoeiro em que me lembro ainda da sensação de “agora é que estou lixado” fui dos últimos a entrar porque beneficiei de o meu pai, tão preocupado como eu, me ter ido levar à porta de armas. A primeira coisa que se fazia, naquele casarão mais do que lúgubre, era levantar o fardamento. Ora tendo sido dos últimos, não havia já nada para o meu número. Ficou tudo a boiar, coisa que me não ralou absolutamente nada nem aos oficias meus chefes que, evidentemente, eram de Infantaria. O pior foi a mudança para Santarém em que “o aprumo” militar era exigido e aí tive que refazer à minha custa a quase totalidade do fardamento para não dar “com os cornos na cadeia” como era ameaçado. Não vindo a propósito neste blog, não resisto a registar que Mafra foi muito difícil, quase tanto como os primeiros meses da comissão, porque para além de ser tudo desconhecidíssimo eu tinha um pai que desprezava a ginástica, o desporto e qualquer actividade física, coisa em que eu o imitava para além de fumar quase dois maços por dia. Lembro a primeira correria fora de Mafra, de talvez uns dois kilómetros, em que eu fiquei com os bofes completamente de fora, logo à saída do Quartel, sentado debaixo da placa da povoação de nome: – Paz! No final da estadia em Santarém até já gostava de correr e em Estremoz lembro-me de ficar espantadíssimo por ou o Justino ou o Gonçalves me dizerem que era preciso abrandar a correria porque já era demais! Mas Mafra não foi só a canseira foram os “galhos”, o leito do Lisandro percorrido à noite com emboscados a darem-nos murros nas costas, a passar túneis com toda a espécie de porcarias penduradas, rastejar debaixo de fogo e sob o arame farpado, a ameaça do pórtico de que sempre tive medo porque tenho vertigens, tudo isto, e muito mais, em novidade e com a sensação de nunca ser capaz de o fazer e a alegria e o espanto de afinal ser capaz. Em comparação Santarém e Estremoz foram muitíssimo mais suaves, não o sendo certamente, a preparação é que era já outra.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Historias da nossa tropa

Quando oJoão Vieira falou no Bom Jesus,imediatamente recordei uma passagem que não posso
deixar de contar. Como já foi dito,estavamos péssimamente instalados o dono da Fazenda ,acho
que era Perola do Quimuanza,querendo ser amavel facultou-nos uma casa que tinha alguns colchões , que aparentemente pareciam razoaveis. O que é a verdade é todos os que lá se deitaram apanharam uma valente camada de chatos inclusivê o nossoSargento Pires.que se
lamentava porque estava prestes a vir de férias ao Continente.
O mais cómico foi já no Grafanil aplicáva -se DDT para os matar, depois talco para eliminar o
cheiro.

O segundo ano

O segundo ano de comissão foi, como já está dito, passado no Grafanil como tropa de intervenção à disposição do comando chefe. A notícia que assim seria foi considerada por nós uma verdadeira tragédia porque acreditáramos que seríamos recompensados pelo nosso esforço e passaríamos o segundo ano numa qualquer vilinha do litoral, com muita praia, sanzalas perto, e sem ameaças de guerra. Mas a verdade é que a tal intervenção acabou por ser bastante descansativa porque logo de início passámos mais de um mês numa fazenda chamada de Bom Jesus, onde, muito mal instalados, dávamos protecção à engenharia enquanto estes abriam uma estrada. Voltámos lá uma segunda vez, onde infelizmente de acidente morreu um homem nosso o que me fez, e ainda faz, a maior das impressões. O Bom Jesus era muito incómodo: dormíamos em barracas, a casa de banho foi construída por nós porque quando chegámos os “anteriores nem isso tinham feito”, uns incompetentes, pensávamos; Mas quanto a guerra não havia e os dias passavam sabendo-se que dentro em breve voltaríamos a Luanda. Depois fizemos, que me lembre, as operações que já contei do helicóptero Puma, a última do rio Zala, a intervenção como polícias a que, confesso, achei a maior das graças por causa do ridículo do nosso aparato nada policial, e uma outra enorme, a nível de Região Militar, com comandos, aviões a jacto e canhões que foi, naturalmente, um falhanço estrondoso sem resultados nenhuns porque o suposto inimigo, se o havia, com tanto barulho não ficou à nossa espera para levar no coco. Lembro porém que a certa altura estávamos num alto de um morro, junto a um enorme canhão e os “artilheiros” dispararam-no, sem avisar ninguém: estabeleceu-se a maior das confusões com parte do pessoal a procurar abrigo para se proteger do ataque a que estávamos a ser sujeitos! O Zé Aragão, do primeiro pelotão, acrescentava a esta história, creio que para a melhorar e para com ela rirmos a bandeiras despregadas, que um soldado, com o susto, se enfiou num oco de uma árvore, ficando com os pés para cima e sem conseguir de lá sair, ouvindo-se apenas a sua voz: tirem-me daqui!
No Bom Jesus tive um momento de maior tenção com o capitão, já não sei as razões, a propósito de uma emboscada que ele me mandou fazer. Amanhã ou depois escreverei sobre as relações entre os oficiais. Na altura pareceram-me impossíveis. Hoje penso que também tivemos sorte em ter um capitão que gostava e sabia do seu ofício. Nada comparado com um outro oficial de cavalaria do quadro, de nome Martins, creio que cruz de guerra, que fez o meu espanto quando estando eu cadete de dia, ainda em Santarém, e ele oficial de dia, num sábado, primeiro correu-me, porque eu estava mal fardado e tinha uma boina que parecia “um avião”, de grande que era para a minha cabeça, ameaçando-me com cadeia (sic: vais daqui vais mas é para a cadeia!) se em dois tempos não aparecesse “bem ataviado”, e, depois, durante o resto do fim-de-semana de convívio e graçolas queixou-se da “merda da tropa” tendo-lhe eu perguntado: – mas então porque é que o senhor é do quadro? Ao que ele respondeu, textualmente: “hó meu amigo, antigamente um oficial de cavalaria de manhã jogava o ténis e à tarde andava a cavalo, agora é que é esta merda”.

O Homem da Coxa

Em dia, provavelmente de festa, o Varela terá feito frango assado para a messe de sargentos, onde a comida era servida já no prato. O Ataíde estava a distribuir os pratos e entrega uma asa de frango a um dos furriéis. Sem ninguém esperar, o homem exalta-se, levanta-se da mesa, devolve a asa e diz bem alto:
- Já sabes que eu só como coxas!
O 1º sargento, sentado na ponta da mesa, e que se assumia como “pai de família”, achou ter havido desrespeito e vá de fazer uma participação. O Capitão Taxa Araújo despachou para eu elaborar o respectivo auto de averiguações. Embora achasse ridículo um auto de averiguações por causa de uma coxa, e ainda por cima de um bípede masculino e com penas, lá fui ler o Regimento de Disciplina Militar, ouvir o faltoso e as testemunhas. Uma grande chatice, como é evidente.
Concluí o auto alegando não ter encontrado nenhuma infracção ao citado Regimento de Disciplina, e fiquei a aguardar como é que o capitão ia descalçar esta bota sem desautorizar o 1º sargento.
Passado algum tempo e diante da formatura geral foi anunciada a sentença, que tento resumir: Tendo em conta que me nasceu mais uma filha ficam arquivadas todas as participações que aguardavam despacho.
Com esta decisão não foi desautorizado o 1º sargento, safou-se o furriel Sá Oliveira, o brasileiro, e safei-me eu, que queria ficar bem com as partes. Na altura pensei que possivelmente ninguém no mundo tinha dedicado mais de vinte páginas a uma coxa de frango. Um autêntico recorde digno do Guinness!