sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um Ano Novo cheio de paz e amor

A quadra é o vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma

FERNANDO PESSOA

Aos que gostam da minha poesia, obrigado por gostarem, aos que não gostam, obrigado por terem de me aturar mais à minha poesia.

Hoje deixo-vos um cheirinho à mais popular forma de poesia: A quadra.

1
Olhar nos olhos de alguém
E falar sinceramente
É difícil para quem
Não diz aquilo que sente

2
Se não sabes nunca digas
Que foi assim ou assado
Quem não sabe as cantigas
Não canta, fica calado

3
Morena de olhar triste
De triste faz-me chorar
Essa tristeza que existe
No triste do seu olhar

4
Quando o silêncio é um grito
Bem dentro do coração
Brada em nós um som aflito
Sobe a força da razão

5
Tantas penas eram bem
Penas por me ter achado
Como o galo que as não tem
Por já estar depenado

6
Ondas que vêm e vão
Águas salgadas da vida
Lágrimas do meu coração
Neste cais da despedida

7
Tenho um livro onde escrevo
Palavras que nunca li
E nesse livro me atrevo
A ler o que não escrevi

8
Venho da floresta verde
E trago o que não entendo
Um sorriso que se perde
Na vida que vai morrendo

José Diogo Júnior

Um grande abraço a todos

"Mucondo onde o sol castigou mais"


Procissão no Mucondo. A fé nunca nos abandonou...
Formatura dos "Aramistas" em dia de pré...

Temporal no Mucondo. O Alferes Chaves e o Pereira recolhem a bandeira...




Torreão de Vigia




Vista aérea do aquartelamento













Vista aérea do Mucondo.
O cemitério logo à entrada com as campas devidamente alinhadas...


Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692



























sábado, 25 de dezembro de 2010

Ó sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia
Dolente na tarde calma
Cada tua badalada
Soa dentro de minh'alma

Mote de Fernando Pessoa

Glosa

Hoje é dia de Natal
E embora esteja feliz
Em meu peito algo me diz
O que eu já sei afinal.
É lá longe em Portugal
Que minh'alma passeia
De saudade já tão cheia
E tão despida, tão nua
Que mais me parece a tua
Ó sino da minha aldeia.

No sossego do montado
Onde é rei o alecrim
Ninguém se lembra de mim
Como aqui és tu lembrado.
Por muito ser procurado
Nas entranhas de minh'alma
O teu som ainda acalma
E cura a minha tristeza
Trazendo a tua beleza
Dolente na tarde calma.

Vejo ao longe o horizonte
Onde o céu a terra beija
E esta saudade deseja
Cheirar as urzes do monte
Beber água na tua fonte
Ver no alto levantada
A tua torre tão amada
Como a boa sentinela
Oiço da minha janela
Cada tua badalada.

Saudades levas-as o vento
Como palavras de amor
Como conselhos do Senhor
Nas asas do pensamento
Sem deixarem um lamento
Nem gemido que acalma
Minha oração te salma
E mostra a minha paixão
E como a tua canção
Soa dentro de minh'alma.

José Diogo Júnior

Feliz Natal e Próspero Ano Novo a todos os camaradas da ccav.2692 e suas famílias.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal

Nem todos os dias são iguais, nem todas as festas têm o mesmo sabor, nem todas as ocasiões se repetem, nem sempre os sentimentos se conjugam.
Há alguns anos atrás, o Natal para muitos (de nós) jovens era apenas um dia mais, no calendário da incerteza da guerra, um dia talvez em que nos sentíamos ainda mais tristes, disfarçando a tristeza numa cervejita com que humedecíamos a língua que mastigava o frango com massa (ou a massa com frango?).
Um dia em que ainda recordávamos, no silêncio apertado do peito, a família, a namorada, a mulher, os filhos, os pais, os avós, os irmãos, os parentes que, no trágico frio longínquo do "puto", se recolhiam, silenciosamente, no manto da saudade acre e incerta do desconhecimento da sorte que, nesse preciso momento, o filho, o namorado, o marido, o pai, o neto, o irmão, estaria a acontecer.
Um dia disfarçado de risos, com o coração dilacerado de saudade e (porque não dizê-lo abertamente?) do medo da morte mais do que provável. Ou, arredando a tão pior das hipóteses, do frio, do calor, da sede, da fome, dos ataques das formigas, da violentação da consciência que rege qualquer ser humano na preservação da paz, da solidariedade, da fraternidade?
Hoje, como ontem, com protagonistas diferentes e em cenários diferentes e diversos, o Natal continua a ser o alento de muitos na mesma caldeira onde fermenta o ódio, a discriminação, a intolerância, a exploração humana, que do Natal apenas guardam uma réstia de esperança num mundo melhor.
Que seja essa réstia de esperança que continue, apesar das dificuldades, a guiar o rumo dos que acham que a vida vale a pena ser vivida, com esperança, com fraternidade, com tolerância, com respeito por todos os seres vivos. Guardando, é certo, uma réstia também de saudade por todos os que, tendo partilhado o percurso da nossa vida, já partiram.
Um feliz Natal, agora que já não temos na meia a formiga, no sapatinho a G3 e no "gingle bells" o matraquear do fogo inimigo!...
A todos os camaradas, a todos os familiares, os votos de um Natal o melhor possível. A todos os que já partiram, um gesto de profundo respeito, de saudade, mas também de uma saudação forte de "PRESENTE"!
António Gonçalves

Boas Festas

Ao aproximar-se o Natal aproveito esta oportunidade e este meio para endereçar a todo o pessoal da CCAV 2692 e suas famílias umas Festas Felizes e com a saúde possível.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"FELIZ NATAL E UM ANO DE 2011 MAIS SOLIDÁRIO"


Quero desejar a todos os camaradas da ccav 2692 e suas famílias um Santo e Feliz Natal e um NOVO ANO mais próspero e solidário. Envolvo neste desejo também as famílias dos companheiros que entretanto nos deixaram.

Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"

Capítulo

No Niassa rumando ao desconhecido.
Saí do comboio com um saco de lona às costas e uma mala mal amanhada (por acaso não era de cartão), que para não rebentar pelas costuras, estava atada com uma correia que mais parecia a cilha dum cavalo.
Na dita levava alguma roupa civil, uma máquina fotográfica a pedir reforma ,umas linguiças, uns queijos alentejanos, duas garrafinhas de bagaço e um gira-discos que me acompanhou durante toda a minha passagem pela guerra, comprado um mês antes de assentar praça. No saco de lona, que por sinal era em segunda mão e estava um pouco roto, levava a roupa militar que não entreguei quando do espólio em Estremoz, a que juntei uma farda camuflada e o respectivo quico, um par de botas de lona e um ponche, que comprei numa loja em Montemor-o-Novo de artigos usados para a caça.
Dos 10 contos que recebi do Exército para compra de equipamento não cheguei a gastar 2, o resto foi para a viagem e para me aguentar nos dias que passei em Luanda até receber o 1º vencimento de furriel.
De tal maneira a minha indumentária camuflada estava usada que eu mais parecia um “veterano” no meio daquela maçaricada toda.
Assim que coloquei um pé fora do comboio fui rodeado pela minha família e pela minha namorada que hoje ainda é a minha mulher, que fizeram questão de me vir apresentar os cumprimentos de despedida e, nunca mais me vou esquecer, da mãe do Pina Silva que muito pesarosa me pediu para tomar conta do filho. Os termos em que se me dirigiu foram mais ou menos assim:
- Peço-lhe que ajude o meu filho pois ele é um azarado e tudo lhe acontece. Perde tudo e, o que não perde, deixa roubar. Agora até as botas e a gabardine lhe roubaram. Diga-lhe que não se esqueça de escrever à família….
Claro que descansei a senhora, prometi-lhe que ia tomar conta do Pina Silva e que o iria obrigar a escrever.
Lembro-me também de ter recebido as despedidas das senhoras do Movimento Nacional Feminino, que me elogiaram pela minha disponibilidade para dar o coiro pela pátria e me pregaram o vício de fumar. Deram-me dois maços de tabaco Porto e um isqueiro a gasolina, que por ser já muito conhecido da tropa tinha a denominação de “Ronson da picada”.
Os poucos rendimentos que tinha enquanto gaiatão provinham apenas da apanha de caracóis (quando se deixavam apanhar), de pássaros, coelhos e lebres que caíam nas armadilhas que montava durante a noite e que vendia às tascas da minha terra.

O meu pai sempre me disse “quem não tem dinheiro não tem vícios”. Razão porque nunca tinha fumado antes.
Depois foi subir as escadas do Niassa, deixar a bagagem num camarote que escolhi mesmo em frente as casas de banho e vir para um ultimo adeus aos meus familiares e a Lisboa, que na verdade era a minha terra de nascença, não fosse o diabo tece-las e regressar dentro dum caixote….
Essa vida de marinheiro começou de facto a dar cabo de mim. Os dias e as noites a bordo do Niassa eram de facto cheias de actividade programadas com todo o cuidado.
Dormir, comer e jogar a tudo em que se podia ganhar ou perder dinheiro. Lerpa, king, bingo e corrida de cavalos (sem cavalos claro), as bestas éramos nós, em que as mesas dos bares apenas vagavam durante as refeições.
Tal “penosa” actividade apenas foi interrompida quando estive de serviço, que por sinal foi no último dia do “cruzeiro", quando tive que fazer cumprir as ordens que o Taxa Araújo (Comandante da Companhia) me transmitiu, no sentido de obrigar os soldados a recolher aos porões, pois não era permitido dormir na coberta do navio.
Tenho bem presente o que um dos meus mecânicos (penso ter sido o Brito) me disse:
- Furriel já foi lá abaixo ao “inferno”?
Envergonhado por me ter esquecido dos homens que tinha sob o meu comando directo (condutores e mecânicos auto), virei-lhe as costas e encaminhei-me para as escadas de acesso aos porões.
Desci o primeiro lanço de escadas e comecei a ter dificuldades em respirar devido ao cheiro intenso que vinha do interior do navio, mistura de suor, chulé, vomito e sei lá mais o quê, que tornava a atmosfera irrespirável. Só me apetecia fugir.
Enchi-me de coragem e dei uma volta pelos locais em que os soldados dormiam e ainda hoje não encontro palavras descrever o que observei.
Enquanto os Oficiais e Sargentos bebiam, jogavam e tinham refeições ao som da música de um piano, a “carne pra canhão” estava amontoada em redes, esteiras e colchões que entupiam os porões do Niassa.
Ditosa Pátria que tão bem tratou os seus filhos.
De volta à coberta, com a boca e o nariz tapados com um lenço, acabei também eu a vomitar…
Quando atracámos no outro dia, no porto de Luanda, não estranhei ver as ambulâncias do exército preparadas para receber soldados, arrancados das profundezas do “inferno”, que mal se sustinham em pé tal a forma desumana como tinham sido deixados ao abandono.
Eu, com a minha bagagem, tomei lugar no comboio que me iria depositar no Grafanil de forma a continuar na guerra, não sem antes comprar um bom cacho de bananas a um dos negritos que deambulavam pelo cais. As bananas no continente eram um luxo para o Alentejano.
Enjoado mas ainda afinado.



Clemente Pinho. Ex. Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692












terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Histórias da tropa

Realmente não pensava falar da tropa no RC 3,mas como o Pinho falou e a participação tem sido tão modesta,
até os Padrinhos do Blogger não contribuem para animá-lo esperava mais,principalmente do Tavares logo
ele que no Mucondo escrevia mais aerogramas que os Furrieis todos juntos.
Depoi de tirar a recruta no EPC, escola de rigor e militarismo,tive a sorte de ir tirar a especialidade para Tavira que nada tinha a ver com a situação anterior,bastava ter positiva nos testes que o fim de semana era
certo as minhas botas tinham tanta pomada que bastava puxar o lustro para brilharem.
Julgava eu que a cavalaria tinha acabado até saber que o destino me reservou, como em Santarem tinha dado
"voluntarimente" sangue, isto a troco de uns dias de licença que ainda estou à espera, pensei:
vai ser a unidade mobilizadora a pagar o que me devem, dito isto,aí vou eu a caminho do RC3.
Quando lá cheguei fui ter com o Of.dia que até era oCap. Furtado Dias depois de dizer ao que vinha disse então. Acho melhor cortar o cabelo,antes de ir à secretaria,pode ir agora que está autorisado.
Lá fui ao barbeiro que havia em frente ao quartel e de seguida ,novamente quartel, já na secretaria diz-me
osargento,já ouviu falar no D.S. com esse cabelo é F.... certa, e lá fui eu outra vez ao barbeiro, finalmente
apresentei-me ao Taxa e que me disse:nosso Cabo Miliciano: na minha companhia não quero beatles,
vá cortar o cabelo. Ali não havia 2 sem 3.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"


Capítulo 5º

Estremoz. C.Cav. 2692- Batalhão 2909

Corria o mês de Março de 1970, num domingo à tarde apresentei-me no Quartel de Cavalaria de Estremoz para tomar conta do meu novo posto de trabalho, na Companhia de Cavalaria 2692. Fui na véspera da apresentação pois não tinha transporte de manhã.
O Oficial de Dia à Unidade a quem me apresentei, informou-me que só na 2ª feira estaria alguém da companhia para me receber e, quando lhe perguntei onde iria dormir, orientou-me para um antigo convento (São João de Deus), local onde poderia escolher um quarto, que iria ser o meu enquanto durasse a minha estadia em “estágio”.
E lá fui eu direitinho ao anexo à procura da suite, onde deixei toda a minha bagagem, não sem antes preparar a caminha com roupa de cama que desencantei já não me recordo onde.
Sem preocupações com a dormida, comecei por dar uma volta por Estremoz para me ambientar acabando por “assentar arraiais” no Águias de Ouro, café restaurante da elite da cidade e também paradeiro dos oficiais e sargentos da Unidade.
Conversa puxa conversa, copos e mais copos e acabei por conhecer o Pina Silva e o Gomes (o Amaral não tenho a certeza se também estava), contratados igualmente pelo Exército Português para assumir as pastas de enfermeiro e transmissões.
Foi de facto uma noite do caraças e recordo com saudade as palavras do Pina Silva quando lhe disse que era de Montemor-o-Novo:
- És de Montemor, então deves conhecer o Barreiros e o Barroso?
Quem não conhecia o Barreiros e o Barroso. Eram de facto amigos meus de escola, ambos enfermeiros no Hospital Militar de Évora, local onde o Pina Silva iniciou a vida militar.
- Eu ainda sou mais bêbado que eles!
Bêbado não sei mas um pouco passado dos carretos era de certeza (na terra dele tinha a alcunha do maluco da Farinha Branca) e, graças a essa realidade, conseguimos fazer passar uma mensagem que ainda hoje é recordada em Estremoz.
Topem só. Em pleno Águias de Ouro um de nós gritava “Se vires uma cobra e um alentejano o que é que tu fazes” o outro respondia de imediato “Eu matava o Alentejano e deixava a cobra”. Quando a malta começava a reagir indignada o Pina Silva com a sua conhecida calma levantava-se e dizia “Alto. Eu também sou Alentejano”.
Foi uma noite do caraças e só quando o Águias de Ouro fechou recolhemos aos nossos aposentos, devidamente instalados num opel record que não tinha onde cair morto e com uma enorme disposição para furar.
No dia seguinte de manhã, com uma enorme ressaca e de novo instalados no opel record, entramos pela portão de acesso das viaturas e no meio da neblina (estava um nevoeiro do caraças) avistámos o que poderia ou não ser o nosso batalhão.
É não é, de indecisão em indecisão quando saímos “do monte de latas” todo o pessoal tinha desaparecido e a parada estava completamente vazia, não havia viva alma. Óptimo, voltámos de novo pra dentro da viatura e dormimos até próximo da hora de almoço, pois fomos acordados pelo comandante da unidade que nos perguntou se pertencíamos ao batalhão e,após a nossa confirmação, nos pediu desculpa pela interrupção da soneca.
À tarde já formámos com a nossa companhia, mas a apresentação ao Capitão Taxa Araújo só foi efectuada ao 2º ou 3º dia, com o Sargento Pires a andar de pelotão em pelotão a perguntar onde raio estavam metido os cabos milicianos aramistas, pois ainda não se tinham apresentado na companhia.
A vidinha corria-me às mil maravilhas. De dia dava instrução de condução aos meus condutores e mesmo sem GPS (na altura não havia tais modernices) não errávamos uma única tasca das aldeias e povoados à roda de Estremoz. À noite era Águias de Ouro ou desenfianços até Montemor, à minha casa, ou a Veiros a casa duns familiares do Ribeiro, local onde o Gomes quis beber por um garrafão que encontrou numa arrecadação e ingeriu uma valente golada de azeite que até ia vomitando as tripas.
Esta vida de “cavaleiro” (não me podia esquecer que mesmo sem cavalo eu integrava um batalhão de cavalaria) estava a dar cabo de mim e a minha sorte foi eu querer retomar um hábito antigo. Ir à saída da missa…
Lá fui eu com o Gomes à igreja, que era mesmo ao lado da porta de armas do Quartel, e boca daqui piropo dacolá, conseguimos convencer a V… e a L…., era assim que se chamavam as duas moças, a passear connosco no jardim público da cidade.
Acabaram-se as noitadas de copos e passámos a estar de “plantão” à porta da escola à espera que as nossas estudantes nocturnas saíssem. A protecção proporcionada levava-nos a passar por um túnel mesmo por detrás do edifício onde dormíamos e que tinha uns recantos mais que apropriados para a “marmelada”. Que maravilha…
A vidinha corria normalmente até aos exercícios finais da companhia que foram programados para a Serra de Ossa.
Foi aí que eu consegui mais ou menos alguma credibilidade junto do Taxa Araújo, comandante da companhia, pois foi-me distribuída a organização do aquartelamento no que diz respeito à distribuição e montagem das tendas de campanha e as portas de entrada, que de facto não é pra me gabar mas ficaram mais ou menos à maneira.
Pra mal dos meus pecados o Gomes, cabo miliciano aramista meu amigo e responsável pelas transmissões decidiu e muito bem, que tinha que aprender a conduzir. Vai daí pediu cá ao Alentejano, cabo miliciano ferrugento e responsável pela gestão das viaturas, que o ensinasse a conduzir.
O Gomes tinha cá um poder de argumentação que até parecia que tinha sempre razão e vai daí, na primeira oportunidade, estava com o cu assentado junto ao volante do jipe land rover que me estava distribuído e, eu ao seu lado, a ministra-lhe alguns ensinamentos sobre a forma de dominar a máquina.
Das duas uma, ou eu não sabia ensinar coisa nenhuma ou o Gomes não tinha cabeça para uma aprendizagem demasiado rápida.
Foi o bom e o bonito. Em vez da primeira o “transmissões” enfiou a marcha atrás e com uma aceleração forte enfiou dentro da tenda em que dormíamos. A nossa sorte foi que um rádio serviu de calço e o jipe estacou antes de se precipitar serra abaixo, o que seria uma verdadeira tragédia.
Todos os pelotões estavam em operação (simuladas claro) e no aquartelamento improvisado apenas estavam os aramistas (condutores, mecânicos, cozinheiros, padeiros etc., etc..) que transformamos de imediato em costureiros e munidos de fios, cordas e arames reconstruímos a tenda.
Foram noites de pesadelo as que passamos na Serra de Ossa até ao final dos exercícios com medo da “barraca” vir abaixo. O pior era quando o nosso grande amigo Sargento Pires entrava a rastejar pra dentro da mesma e erguia-se, amparado ao poste central, com o cantil de bagaço na mão a dizer-nos que estava na hora de tocar a sentido.
Meu deus como nós afinávamos com os beços (lábios tinha o nosso capitão) no clarim (cantil) até que o calor nos subia à cabeça e vencia o frio da serra alentejana.
Foi com profundo alívio que no último dia desmontamos a dita cuja, que depois de enrolada foi atirada para cima da viatura que a transportou para a arrecadação de material.
Já nos safemos, foi o desabafo colectivo…
De volta a Estremoz, depois de fazer o espólio em que fiquei com praticamente todo o equipamento com utilidade futura, recebi as divisas de furriel e lembro-me de ter saído duas ou três vezes pela porta de armas para receber a “continência” da praxe.
Voltei a Estremoz um dia antes de tomar lugar no comboio que me foi depositar junto ao cais, onde vi pela primeira vez o Niassa, que me levou sem escala até Luanda.
Já não havia motivo para desalinhar. A sorte estava lançada.
Clemente Pinho – Ex-Furriel Miliciano Mecânico Auto. C.Cav. 2692

domingo, 5 de dezembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"



Capítulo 4º

Cabo Miliciano/E.P.S.M.

Que maravilha, o Alentejano era Cabo Miliciano Mecânico Auto e para possibilitar a vingança do “Sabão Amarelo” ia continuar a sua vida de militar em Sacavém.
Abro um pequeno parêntesis para dar uma ideia do indivíduo com quem eu tive que lidar até ao final de Fevereiro de 1970, com um pequeno intervalo de 30 dias porque fui destacado para o CICA 3 em Elvas, para tirar a carta de condução.
“Tipo alto, forte, cabelo ruivo (razão da alcunha) completamente rapado de lado fazendo lembrar um puro soldado alemão. Como 1º Sargento da Secretaria toda a orgânica da Unidade lhe passava pelas mãos, nomeadamente as dispensas, toques de ordem, distribuição do pré, alimentação, escalas de serviço, etc., etc..
Dava-se ao trabalho de vir todos os dias da semana fazer o render da parada, de forma a não perder o controlo do império que construiu.
Os bufos, arregimentados a troco de dispensas, passavam-lhe toda a informação necessária para fazer prevalecer um autoritarismo amparado por um profundo conhecimento do regulamento de disciplina militar, que sabia de cor e salteado.
Se até os sargentos e oficiais temiam o “sabão amarelo”, eu resolvi que devia ficar no meu cantinho de forma a passar completamente despercebido. Era de facto o maior desafio que tinha que enfrentar até que o destino me pregou uma valente partida.
Comecei a entrar na escala de serviços, que fui cumprindo com a ajuda dos meus camaradas mais antigos e a vidinha corria-me de feição. Adorava quando me calhava fazer de “Polícia de Unidade”, em dia do recebimento do pré. Era um fervilhar de soldados à procura de mudar o óleo no olival pegado ao quartel, onde era frequente alguém gritar “fujam p…. que vem aí a ronda”. Dava de facto gozo ver correr p…. e soldados, que por vezes só paravam na vedação da auto-estrada.
Estava eu de Sargento de Dia dentro da unidade e seguindo o que normalmente os meus camaradas faziam, não efectuei a formatura de recolher aos cabos milicianos que em Sacavém era obrigatória.
Na manhã do outro dia, quando fui apresentar na Secretaria o relatório, achei estranha a forma como o 1º Sargento (o tal de sabão amarelo) me fez apressar a assinatura do mesmo e a sua interrogação sobre a existência ou não de faltas na formatura de recolher.
Até parece que foi hoje, pois ainda na minha memória guardo as palavras que me foram dirigidas.
- Então nosso Cabo Miliciano já assinou o relatório? Não faltou ninguém à formatura de recolher pois não?
Eu argumentei:
- Não meu primeiro não faltou ninguém e já assinei o relatório onde não registei qualquer ocorrência.
O tal de sargento recolheu rapidamente (o que eu estranhei) o relatório da minha frente e pregou-me, é assim o termo, com uma comunicação que tinha chegado do Hospital Militar registando a entrada de um Cabo Miliciano pertencente à E.P.S.M. de Sacavém, atropelado entre Moscavide e Sacavém.
Por azar meu o camarada atropelado não tinha dispensa de recolher e foi então o bom e o bonito.
- Gritou, barafustou comigo e acabou por me dizer que eu tinha mentido em relação à formatura de recolher, que não a fiz e que portanto tinha uma desobediência muito grave, razão porque ia de imediato fazer a participação da ocorrência.
Pegou numa folha de papel azul e de facto começou a participação onde depois de registar a minha identificação, efectuou a primeira pergunta:
- Fez ou não fez a formatura de recolher aos Cabos Milicianos?
Eu de facto naquela época era mesmo desalinhado e respondi:
- Não meu 1º Sargento, não fiz de facto a formatura de recolher aos meus camaradas. Podia mentir e dizer que alguém tinha respondido por ele, mas prontamente seria desmentido pelos “bufos” que tem às suas ordens. Concordo com a formatura de recolher aos Cabos Milicianos desde que também sejam incluídos os Sargentos Milicianos, pois fazemos exactamente os serviços que eles fazem, caso contrário vai ter que estar sempre a fazer participações de mim sempre que eu esteja de serviço.
Encerrada a participação foi a mesma colocada à minha frente para eu assinar e eu depois da ler com todas as calmas recusei assinar, argumentando que faltava inserir a minha argumentação em relação à falta cometida.
O “Sabão Amarelo” até mudou de cor. Não alterou a participação e eu não assinei.
Com um curriculum já bastante agradável cheguei à formatura para receber o pré e quando estava a estender a mão para receber a “esmola” que me pagavam por serviços relevantes à Pátria (agora pagam muito mais a parasitas que não fizeram metade do que eu fiz) ouvi o 1º Sargento dizer ao Comandante da Escola “o homem da participação é este” e seguidamente a informação de que me deveria apresentar, após a distribuição dos dividendos, no seu gabinete.
O Comandante da Escola, que era um Capitão, que reagiu muito mal ao facto de eu não ter assinado a participação, disse-me tudo como os malucos mas como eu nunca fiquei calado e argumentei sempre, acabou por me dizer que o castigo que me iria aplicar seria mais para dar uma satisfação ao “Sabão Amarelo” .
Um mês todo de Sargento de Dia à benfica. Alinhei tanto de encarnado que agora não os suporto…
Passado este contratempo tinha que me meter noutro. Incitação a um levantamento de rancho no refeitório dos sargentos.
Comia-se mal, mesmo muito mal, dada a forma em como o “ Sabão Amarelo “ desviava o dinheiro destinado a alimentação.
Toda a gente comentava, não havia nem cão nem gato que não barafustasse mas lá iam comendo a porcaria que nos era servida, até um dia….
- Hora de almoço. O “rancho” para Sargentos tratava-se de “estilhaços de bacalhau” com batatas (vulgarmente denominado de bacalhau à braz), só que tal como das outras vezes mais parecia argamassa usada na construção para assentar tijolos.
Das palavras passamos aos actos e a comida do dia começou a ficar colada nas paredes do refeitório, nalguns casos até com prato de alumínio agarrado e, juro que não fui o primeiro a atirar mas devo ter sido o segundo.
Foi o bom e o bonito. Comandante, Sargento e muitos mirones apareceram no refeitório e as identificações começaram a ser anotadas.
Eu, Cabo Miliciano Clemente Marques Pinho, com o nº mecanográfico 143670/69, chamado novamente à presença do Comandante como principal instigador de um acto considerado para a época de “revolucionário”.
Mais uma vez a minha argumentação e a minha frontalidade me safou e saí do gabinete do Comandante com a certeza que a minha mobilização para Angola se mantinha (não me mandavam para Guiné talvez com medo que eu acabasse com a guerra) , mas apenas com mais um mês de Sargento de Dia à “Benfica”. É possível eu gostar dos encarnados? Claro que não….
Começaram a surgir melhorias importantes na alimentação graças a frontalidade de um 2º Sargento de nome Magalhães, que foi de facto quem mandou a primeira pedra (prato à parede), e que teve a coragem e honestidade de se assumir como responsável pelo incidente.
O meu 2º mês de castigo foi cumprido em Outubro de 1969, mês de eleições, em que todas as Unidades estavam de prevenção e não havia dispensas para ninguém, sendo até obrigatório que toda a tropa se apresentasse nos seus aquartelamentos.
Tal situação proporcionou-me uma possibilidade enorme de me baldar que eu soube, novamente graças à minha irreverência, aproveitar.
Durante o mês de prevenção apercebi-me da presença de três camaradas da minha terra que pertenciam aos quadros da Escola do Serviço de Material e que eu nunca tinha visto, nem sequer numa formatura de recolher.
Falei com eles e descobri o segredo.
Era tão fácil, pois era só abdicar do dinheiro do pré mais o valor das refeições. Lá vou eu direito à Secretaria pedir dispensa para o mês de Novembro e foi mais ou menos assim:
- Meu primeiro eu necessito de pedir dispensa para o mês de Novembro e, se possível, a começar já depois de amanhã que é Sexta-feira, pois tenho que ir ajudar os meus pais a apanhar a azeitona (qual azeitona qual quê, só se lha dessem).
A resposta do Sabão Amarelo:
- Nosso Cabo Miliciano lamento mas não pode ser, já dei muitas dispensas para Novembro e na sexta-feira é dia de pré, você tem que estar para o receber.
Já sabedor da tramóia argumentei:
- Meu primeiro o dinheiro do pré e das refeições é uma gota de água comparado com o que os meus pais vão pagar se eu não tiver para os ajudar, quero lá saber do que tenho a receber.
De imediato me mandou ir buscar os 30 toques de ordem, que eu já levava preenchidos e assinados, foi só carimbar e lá ia de abalada a caminho de Vila Franca de Xira, para a apanhar boleia na portagem, não sem antes passar pela “Casa dos Courates” e comer uma boa sande acompanhada por um “penalty” do tinto.
Este procedimento repetiu-se nos meses de Dezembro de 1969, Janeiro e Fevereiro de 1970 e de Sacavém, apenas recordo com saudade as rondas aos Bares, ao Olival e os bailaricos na Bobadela e no Prior Velho.
O “Sabão Amarelo” viu-se assim livre de mim, com algum lucro claro.
Voltei novamente a alinhar…
Clemente Pinho – Ex-Furriel Mecânico Auto da C.CAV. 2692










sábado, 4 de dezembro de 2010

A Mais Rude Escola de Guerra

Ter saído do Mucondo para Luanda foi do agrado de todos, não obstante a guerra continuar à nossa espera em zonas onde o risco era sempre elevado. Pudera! O importante era sair do mato, e passar a curtir a cidade, com tudo o que ela oferecia, tanto de dia como de noite.
Mesmo as saídas para as acções como tropa de intervenção eram vistas pelo aspecto positivo. À saída pensávamos “daqui a tantos dias estou de volta à cidade”. E quando efectivamente voltávamos de cada acção respirávamos de alívio por termos sobrevivido a mais uma operação. Era como se já tivéssemos chegado a casa.
Pois uma das saídas como tropa de intervenção foi para Zalala, que penso ficar para os lados de Carmona, actual Uíge, não muito longe aliás do nosso Mucondo. Tenho ideia de termos saído de madrugada, e ao início da tarde tivemos de parar em Samba Cajú para reabastecimento. Esgotado o combustível na bomba, ficámos bastante tempo à espera que despejassem bidões de combustível para o depósito para podermos atestar o resto das viaturas.
A certa altura deixámos a estrada principal e começámos a descer. Lá no fundo do vale surge um muro, que contornava em redondo uma alargada curva, onde estava escrito em letras impecavelmente desenhadas “ Bem-vindos a Zalala, a mais dura escola de guerra”.
A minha cabeça, que estava muito longe dali, levou com um balde de água gelada e um calafrio percorreu-me de alto a baixo. A bela cidade de Luanda e a praia da Corimba tinham realmente ficado para trás. Afinal tínhamos voltado novamente à guerra, à mais rude escola de guerra! Maldita guerra!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Histórias da nossa tropa

A minha história de hoje,tem duas finalidades: recordar factos passados e ao mesmo tempo homenagear o Sar.
Pires a quem muito fiquei a dever,não só eu como todos os Furrieis em especial os ditos aramistas.
Como sabemos,ele só chegou ao Mucondo uns dias depois de nós,creio que foi nomeado para dar uma ajuda
aos camaradas da CCS. Logo que chegou, começou a verificar a quantidade de barretes que os velhinhos nos
enfiaram.Quando chegou ao posto de rádio pediu-me a folha de carga e começamos a conferência do material
Depois de várias folhas sem importância de maior,ele pergunta: onde é que estam as telas de balizagem?
Ao que eu respondi : acho que é isto ,mostrando umas tiras de pano de várias cores numa parteleira.
Isso são bocados de lençol disse-me ele,éque eu nunca tinha ouvido sequer falar em telas de balizagem(são
umas tiras coloridas que se colocam no chão para poisio dos helicópteros).
Temos de fazer um auto de abate,vamos dizer que a formiga branca destruiu as telas ,não acha seu maçarico?
Assim foi salva uma situação,penso que todos os meus camaradas que tiveram problemas idênticos, ele ajudou a resover.
Quero deixar aqui um bem haja a este Homem,esteja ele onde estiver.