sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Almas Mutiladas
Foi escrito, talvez, há mais de 20 anos e fala já do mesmo tema.
Almas Mutiladas
Sou esse que nos campos trabalhou!...
E sou o que passou dificuldades!...
Fui à guerra, de que não tenho saudades,
Pois foi ela que minh'alma mutilou!
Nenhum poeta, em versos, isso cantou,
Embora escrevam tantas verdades
Na sombra, oculta, das grandes cidades
Onde a nobre poesia se finou!
Não esqueceram a razão, certamente...
Que a alma mutilou a tanta gente!
Nem que outros pagaram com suas vidas!...
Então, caros poetas de Portugal
Cantem, em verso, a verdade natural
Das almas mutiladas, tão queridas!...
José Diogo Júnior
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
"Como eu entrei na Guerra"
2ª Parte da Comissão
Intervenção - Luanda
Intervenção. Presente envenenado para premiar os “êxitos do batalhão no norte de Angola”, oferta dos senhores da guerra.
Aquartelados no Grafanil às portas de Luanda. Fomos creio que render o Xeque-Mate.
Cidade maravilhosa que nos acolhia cerca de dez a 15 dias por mês, com os restantes a serem passados de operação em operação no norte ou no leste de Angola, em zonas completamente desconhecidas, que iriam ceifar as primeiras vidas de amigos e camaradas do dia a dia.
Tendo em conta a minha função de especialista (aramista) e também porque tinha família em Luanda a situação não me desagradava de todo, pois de dia cumpria as minhas obrigações de militar e depois alinhava na noite como se de um civil se tratasse.
Não entrava nas escalas de serviços e ia vivendo o dia a dia tentando passar o mais despercebido possível mas, triste sina a minha, voltei a desafinar no seguimento de uma situação que entendi como uma sacanice do Taxa Araújo.
Se não estou em erro, a primeira operação foi para os lados do Bom Jesus. A saída da companhia foi numa quarta ou quinta-feira à noite e eu tinha voo marcado para a segunda-feira seguinte, pois ia de férias para o “puto”.
Uma prima minha casava no sábado e como era a único familiar, excepto os pais, que poderia estar presente no seu casamento, fui ter com o Capitão e pedi-lhe para ficar em Luanda de forma a estar presente na cerimónia.
Argumentei que não tinha qualquer problema nem receio de alinhar nas deslocações relacionadas com a intervenção e que apenas se tratava de uma situação de excepção por um motivo justificável.
Levar-me até era um favor que o homem me fazia, pois em Luanda os Sargentos e Oficias tinham que pagar a alimentação do seu bolso. Tratava-se apenas de uma situação especial.
A resposta do homem foi peremptória e até mesmo agressiva.
- Não senhor! A sua vida de aramista era no Mucondo. Agora alinha como os outros e vai de mecânico de coluna e, quanto às férias, fique descansado que não perde o avião.
Não perdi as férias. Perdi a cerimónia do casamento e a festinha onde por certo faria conhecimentos que me poderiam ser úteis em Luanda.
A partir daí comecei a andar de candeias às avessas com o Taxa Araújo.
Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Natal de 1970 na Fazenda Bombo
Lógico que aceitei e o 1º que meti na boca era autentica "pólvora" pois continha no meio malaguetas de piri-piri. E eu para não fazer parte de fraco resolvi comer até ao fim. Foi o meu azar. Fiquei com a boa a arder e não houve água, sumos, bagaço, wiskhy, etc que resolvesse tirar-me aquele ardor. Resultado: uma autentica bebedeira e uma dôr de cabeça monumental.
Como já era hábito os fazendeiros vieram ao nosso quartel na passagem do ano. Fizemos as nossas investigações e viemos a descobrir que a ideia das malaguetas foi do fazendeiro Resende, dono da fazenda onde nos íamos levar os géneros a uma secção doutra Compª.
Assim, sabendo que ele apreciava bananas, no jantar que nós oferecemos, no final foram-lhe servidas umas lindas bananas que, antecipadamente, tinham sido impregnadas de piri-piri no estado líquido. Quando ele começou a comer e notou o que lá havia sido injectado, virou-se para mim e disse: Foi voçê!
Não se tratou de nenhuma vingança, mas sim uma brincadeira.
Nota: Já agora, aproveito para ir lembrando, repetindo o que havia dito, que práticamente só os aramistas é que vão contando umas coisas. E o resto do pessoal está à espera de quê? Não tenham vergonha de ir contando algo de que se recordem, mesmo que seja coisa banal idêntica ao que acabo de apresentar.
Adelino Amaral, Vagomestre
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
"SUS-A-ELES"
Análise às dissertações sobre o tema “SUS-A-ELES” que o José Tavares publicou no blogue em Junho de 2010
Um pouquinho de tempo disponível permitiu-me efectuar uma leitura mais atenta às crónicas e outros artigos publicados no blogue, merecendo-me especial atenção o único que eu encontro da responsabilidade do José Tavares, que não posso deixar de comentar.
Como que numa lição à volta do “ SUS-A-ELES” o José Tavares fala em orçamento do estado, banquete, marquês de pombal, poder das bases e do povo, corrupção combatida, ensaio da cegueira, José Saramago, migalhas, tudo querem comer, vampiros, Zeca Afonso, eles comem tudo e não deixam nada, etc., etc. .
O que eu e os nossos camaradas não queremos esquecer é que “SUS-A-ELES” era o lema do Batalhão de Cavalaria 2909, que em Abril de 1970 partiu rumo a Angola passando a fazer parte da história de Portugal, que no melhor ou no pior temos que assumir.
Quantos e quantos de nós tivemos hipóteses de fugir e ou desertar? Quantos e quantos de nós poderíamos ter utilizado a possibilidade de continuar a estudar de forma a protelar o ingresso nas forças armadas? Ou quantos não tiveram nenhuma destas possibilidades e foram obrigados a ingressar nas fileiras e dar o corpo ao manifesto.
Devemos envergonhar-nos do nosso passado? Devemos esquecer e passar como que uma esponja sobre uma parte da nossa juventude?
Ou devíamos ter feito como alguns que apareceram depois do 25 de Abril arvorados em revolucionários, quando o que fizeram foi andar escondidos no estrangeiro de forma a garantir a sua segurança.
Que país é este em que os falsos desertores foram arvorados em heróis e os homens que sofreram na pele os horrores da guerra são considerados pessoas não gratas.
Diz também o Tavares na sua crónica que pretende falar sobre as suas memórias, sobre o Mucondo, Nanbuangongo e Santa Eulália.
Força Tavares. É isso que estou à espera desde Junho de 2010.
Os teus camaradas e as suas famílias não querem esquecer, não querem ser esquecidos e não têm vergonha da sua HISTÓRIA.
Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692