segunda-feira, 23 de março de 2020

Falecimento do Coronel Taxa Araújo - Mensagem de Pedro Cabrita

A MINHA MEMÓRIA.
A MINHA HOMENAGEM.
Em fins de outubro de 70 cheguei um dia ao Mucondo com um envelope secreto debaixo do braço.

Era hora do almoço.
Entrei pela messe perante o espanto do então Capitão Taxa Araújo.
"Um alferes..!? Mas eu não pedi nenhum alferes...?!"
Pegou no envelope, entrou no gabinete e regressou pouco tempo depois.
"Já sei do que se trata. Oficial de Dia; acomode o nosso alferes. Vai passar 4 meses connosco."
Era então o início do meu estágio para um curso de formação de Capitães milicianos. O primeiro estágio dessa fornada.
E assim demos início a uma aprendizagem em quatro meses de como "fabricar" à pressa um Capitão para a Guerra Colonial.
Foi talvez um dos primeiros momentos de sorte que tive nesta minha jornada da guerra.
O então Capitão Taxa Araújo, certamente discordando desta iniciativa superior, mas compreendendo que pouco mais havia a fazer, empreendeu uma formação séria e passou-me tudo quanto o seu conhecimento e experiência detinham. Algo a que não era obrigado; apenas por seriedade e respeito para comigo.
O conhecimento da coisa militar na sua inter relação hierárquica e o domínio do chão da guerra, foi a matéria inculcada em curtos 4 meses de estágio.
Aprendi muito e quase tudo... em apenas 4 meses. Foi obra.
Louvou-me, apenas como incentivo a um "puto" com 22 anos à altura, que aos 23 se esperava fosse comandar uma Companhia na guerra. Compreendi. Podia ter-me reprovado; mas arriscou acreditar e, por sorte minha, acertou.
A minha comissão foi um êxito, mas muito fiquei a dever ao Taxa Araújo e desse facto dei público conhecimento no meu livro "Capitães do Vento" onde repiso todos os passos que me foram dados a percorrer. O livro reflete isso em vários
momentos desta minha saga.
Parte cedo.
Mas a morte, infelizmente, não escolhe nem quem, nem quando deve partir.
Estive em Santarém num dos almoços dos veteranos da Companhia.
Reencontrámo-nos com um abraço e da mesma forma nos despedimos até um dia destes que calhasse.
Não calhou e assim nos despedimos agora desta forma equívoca que nem nos permite acompanhar o amigo até à sua última morada.
Mas o abraço continua a não carecer de veículo próprio, quando a amizade fica marcada pelo respeito e pela admiração.
Com o meu caloroso RIP vai o meu abraço de respeito e eterno agradecimento pela dedicação e empenho que recebi.

Pedro Cabrita
Ex- Capitão Miliciano (13376769)

PAZ


Quando da nossa passagem por Angola, integrando a ccav. 2692 comandada pelo capitão Taxa Araújo, éramos todos muito jovens e sem experiência de comando, todos tínhamos sido educados a obedecer mas não aceitávamos de bom grado aquela disciplina militar que nos era imposta de uma forma rígida. No entanto hoje somos muitos os que achamos que essa disciplina foi, talvez, a grande responsável de ainda andarmos por cá.
Também víamos a cara do nosso comandante, mas nunca procuramos ver o seu coração, nem ele nos deixava ver, só mais tarde apreciamos o grande comandante que tivemos.
No meu caso concreto só 20 anos mais tarde me vi numa situação de "comando" e foi aí que recorri a alguns ensinamentos da vida militar e particularmente do personagem Taxa Araújo. Mais tarde e sentindo-me um pouco atraiçoado por alguns a quem ajudei de uma forma que eles talvez não tenham entendido, escrevi este poema, que o nosso comandante já não poderá ler, mas eu penso, que ele algumas vezes tenha sentido tristeza pela nossa falta de entendimento quanto à sua rigidez.


PAZ

Aqueles que dizem não gostar de mim
Não sabem quem eu sou, nem o que sinto,
E que perante a minha dor dizem que minto
São as ervas daninhas do meu jardim.

Habituei-me a vê-los sempre assim!...
Sonham fartura, veem-me faminto...
Eu fujo dessa vaidade, pois pressinto
Uma boa monda e um triste fim.

Para que cresçam flores sãs e belas
É preciso amor e tratar delas
Num jardim solidário e eficaz.

Jardim sem invejas, onde cada flor
Seja a liberdade,  um verso de amor
E a monda seja a própria PAZ.

José Diogo Júnior

domingo, 22 de março de 2020

Faleceu o Coronel Taxa Araújo, Comandante da CCav2692 (BCav2909)

(Coronel) Taxa Araújo, meu Comandante.

Dia 21 de março de 2020. Quase ao mudar o dia, de noite, sou surpreendido por um telefonema: faleceu o Taxa. O quê? Faleceu o Taxa!

Taxa Araújo, mais precisamente, João Manuel Taxa da Silva Araújo, Coronel na atualidade mas nunca esquecido pelos seus militares da CCav2692, como “simplesmente”, o Taxa. foi Comandante daquela Companhia de Cavalaria de 1970 até ao seu regresso à (então) Metrópole, em Junho de 1972.

Homem de estatura mediana, mas de vigorosa imponência pessoal, era então Capitão. Militar de carreira, logo por isso distanciado por quem ia obrigado (contrariado para uma guerra desconhecida num país desconhecido, num ambiente hostil apesar da sua majestosa beleza, num presente interrompido por um futuro incerto), era alvo fácil de descontentamento e de alguma, ainda que disfarçada, aversão.

Não era nada fácil impor a sua liderança em tal clima psicológico, sobretudo numa época em que começavam a despontar sentimentos de revolta contra um regime ditatorial que mandava os seus filhos para o desconhecido, em que a provável morte, ou a incapacidade física, eram os pesadelos de milhares de jovens. Sentimentos que, naturalmente, se repercutiam na resistência primária, ainda que contida, a qualquer ordem de comando militar.

O (então) Capitão Taxa Araújo, também ele ainda jovem, teve de se defrontar com essa situação. Ainda Tenente de Cavalaria, na célebre (infelizmente entretanto extinta, apesar de ser a espoleta do 25 de Abril), Escola Prática de Cavalaria, temida e odiada por praticamente todos os que ali “caíam” na recruta ou, pior, na especialidade (de atiradores da cavalaria, a pé), viveu a disciplina rigorosa de tal aquartelamento militar, onde, na boca de alguém bem conhecido na altura, um cavalo merecia melhor atenção e cuidado que qualquer soldado.

O Taxa, como era conhecido na CCav2692, era um homem rigoroso, com uma disciplina de ferro, implacável na ordem militar, muito sério, por vezes até carrancudo. Por debaixo dessa máscara militar, obrigatória para qualquer posto de comando tomado a sério, era afável, risonho, solidário, compreensivo, amigo do seu pessoal. Sem peneiras dos galões. Homem destemido, de grande coragem, sem medo, de total entrega no combate, com a frieza e a calma de um verdadeiro militar. Um camarada de armas na assunção plena do termo. Não queria simpatia, queria disciplina, não queria desleixo, queria segurança. Como disse num dos últimos almoços de confraternização em que participou, quando embarcou para África queria “trazer os seus homens de volta”.

Curiosamente, foi nesse almoço, numa singela homenagem feita por mais de meia centena de militares, que disse “já poder morrer descansado, pois já tinha visto o reconhecimento dos seus”. Só podia estar a disfarçar alguma emoção pois, sentindo a sua verdadeira obrigação de Comandante, a importância da segurança dos seus militares era muito mais do que qualquer homenagem.

O Taxa e eu nunca tivemos, durante a comissão de 26 meses em África, um relacionamento fácil. O Taxa era militar, eu detestava militares. Mas tínhamos coisas importantes em comum: éramos ambos frontais (com a devida postura de respeito), éramos ambos muito disciplinados (com a certeza de que, apesar de alguma incompreensão, isso era essencial para a sobrevivência da equipa numa guerra de guerrilha em terrenos tão belos quanto traiçoeiros), ambos tínhamos adquirido o respeito mútuo, mesmo tendo em conta as diferenças de hierarquia.

Devo ter sido a única pessoa a quem, pouco antes do embarque de regresso, não viu os seus malões revistados. Quando, de manhã, durante o serviço de sargento de dia na Companhia, no Grafanil, ele me chamou para avisar todo o pessoal que iria passar revista às bagagens, eu, de certa forma alarmado, disse-lhe que já tinha “costurado” as duas malas de viagem (de madeira) com pregos de cabeça achatada para evitar que fossem violadas. Se tivesse de as reabrir iria rebentar as “costuras” pois os pregos estavam cabeça com cabeça. Encarando-me, olhos nos olhos, muito sério, perguntou-me se eu levava alguma granada, ou arma, escondidas. Retribuí-lhe o olhar sério e, com todo o respeito, respondi que não, pois farto estava eu de armas, de balas, de granadas. Fiquei isento da revista. De facto, ele confiou e teve razão, pois não trouxe nada disso. Mas a sua postura mostrou-me a grandeza psicológica de quem conhece os seus subordinados.

Tive oportunidade de lhe relembrar esse acontecimento (como outros, de algum choque pessoal que ocorreram na dureza do ambiente de guerra). Sorriu. E percebi que para mim ele nunca seria o Coronel Taxa Araújo, seria sempre o meu Comandante. Como hoje ainda o recordo. Com respeito e saudade por alguém a quem nunca mais poderei cumprimentar com um aperto de mão. Mas que terei sempre na minha memória com uma sentida e respeitosa continência.

A minha admiração ao Comandante Taxa Araújo. “Sus a Eles” na guerra, gratidão por ter sido o meu Comandante e de muitos homens a quem devemos certamente ter voltado vivos da morte certa.

Até sempre Comandante Taxa Araújo.

Um abraço solidário a toda a família.

António Gonçalves
Furriel Atirador de Cavalaria da 2ª Secção do 3º Grupo de Combate da Companhia de Cavalaria 2692, Batalhão de Cavalaria 2909, em Angola de Abril de 1970 a Junho de 1972