terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"

Capítulo 3º

Cheguei a Sacavém, à Escola Prática do Serviço de Material, com a energia necessária para me tornar um mecânico da treta.
Primeiro objectivo era ficar nos primeiros lugares do curso pois tinha todas as possibilidades de evitar a mobilização, tarefa que se me afigurava muito difícil pois nesse ramo de "negócio"eu era de facto um nabo.

Esse meu "enorme" esforço de aprendizagem, que diga-se de passagem foi de facto muito cansativo para um Alentejano, acabou num tremendo fracasso pois nesse ano nenhum ferrugento escapou à mobilização.

Fiquei de facto bem classificado mas não foi por sabedoria, pois digo em abono da verdade que não sabia a ponta dum corno do ofício e, exemplo disso, conto dois episódios demonstrativos do meu desempenho laboral:

1º - Um dia estava eu a montar umas velas no motor do Jipe e atirei propositadamente uma carrapeta de uma delas para dentro do cilindro respectivo, a fim de estudar o comportamento do motor e ao mesmo tempo me divertir um pouco. Assim que coloquei o motor a trabalhar começou uma estouraria que mais parecia o Porto em Dia de São João, que só parou quando a maldita carrapeta se derreteu e possívelmente saiu pelo tubo de escape. Nem rasto da dita cuja...

Remédio santo, deixaram de me distribuir trabalhos especializados.

2º - Enveredei então para a actividade de lavador e polidor de peças. Dois ou três dias depois de iniciar a minha nova actividade levei uma tremenda "piçada", (parece-me que era assim que se dizia na época) do Capitão Soares, que tinha a alcunha de cabo 8 (ao que parece andou precisamente 8 anos na escola de cabos) meu comandante de instrução.

Era uma excelente pessoa mas nesse dia apanhou-me a lavar as maxilas e os calços de travão de um Unimog com gasóleo e disse-me depois de muitas coisas, que eu tinha era o 5º ano da coisa da tia. Claro que não disse "coisa" mas foi parecido.

Tive sorte, o Capitão Soares de alcunha Cabo 8 simpatizou comigo devido ao meu ar rebelde e um pouco (muito) destravado e comecei a ser o intermediário entre os meus camaradas e o comandante, sempre que necessitavamos de dispensas ou fins-de-semana mais alargados e, isso foi a causa da minha desgraça.

O Sargento da Secretaria apenas levava a despacho ao Comandante da Unidade, os passaportes que entrassem na Secretaria até à 10 horas da manhã.
Numa sexta-feira o Capitão Soares, nosso comandante de instrução, chegou eram quase 11 horas e eu muito à pressa fui solicitar-lhe a assinatura nos passaportes, que distribuí pelos meus camaradas , e em passo acelerado fomos direitinhos à secretaria.

O Sargento (que eu não me lembro nome) mas cem anos que eu viva nunca irei esquecer a alcunha "Sabão Amarelo"ia saír a despacho e recusou-se a receber as dispensas. Saí dos carretos e nem sequer pensei nas consequências do meu acto, rapidamente recolhi das mãos dos meus camaradas os passaportes e desandei para o gabinete do Capitão Soares, não ligando sequer ao Cabo da Secretaria que o Sargente mandou logo de imediato atrás de mim.

Novamente junto do meu comandante de instrução mal tive tempo para dizer que merda de unidade era aquela pois um sargento mandava mais que um capitão, pois de imediato saíu em passo mais que acelerado direitinho à secretaria, comigo e o cabo atrás. Parecia uma procissão...

Não dá pra reproduzir o que o sargento teve que ouvir e, nesse momento compreendi a razão dele ter sido cabo durante 8 longos anos.

Depois desse episódio e enquanto durou a especialidade o tal "Sabão Amarelo" tratou-me sempre cordialmente, mas deixou bem claro que esperava por mim quando eu passasse a pertencer aos quadros da unidade.

E assim foi. Acabada a especialidade vi grande parte dos meus amigos saírem para outras unidades e eu fiquei em Sacavém até Março de 1970. Já nem o Capitão Soares(Cabo 8 ) me podía valer....

Nesta fase era obrigado a ficar alinhado, mas voltei a desalinhar e paguei bem caro por isso.

Clemente Pinho - Ex.Furriel Mecânico da C.CAv. 2692

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Como eu entrei na Guerra"


Capítulo 2º

Como fui parar em “mecânico auto”
Eu, que nem carta de condução tinha e de meios de locomoção apenas sabia alguma coisa sobre a construção dos carrinhos de rolamentos com que descia as rampas do castelo de Montemor-o-Novo, em miúdo claro.
É uma história curiosa o que vou contar.
Faltava não mais de 15 dias para terminar a recruta e jurar bandeira quando o Sargento meu amigo, o tal do depósito de equipamento, veio à minha procura para me levar à presença do 2º Comandante da Escola Prática de Artilharia, o Tenente Arranhado.
E lá fui com ele ao gabinete do tal Arranhado e, pelo caminho, ia tentando me lembrar de algum incidente, fora ou dentro do aquartelamento, em que me tivesse envolvido. Será que tinham descoberto os meus desenfianços ao fim-de-semana?
Entrei no gabinete e recordo-me de ter ouvido o Sargento de nome Merca dizer para o Tenente apenas isto “aqui está o homem” e sair.
Fiquei cara a cara com o homem, muito atrapalhado e convencido de que estava feito ao bife, até ele me perguntar;
- Chama-se Clemente Pinho?
- Conhece o Sr. Armando Alho? Sabe que ele é um grande amigo meu?
- Não tem em seu poder uma carta dirigida a mim?
Fiquei atrapalhado e disse para comigo “ estás mesmo feito” e balbuciei;
- Sou de facto o Clemente Pinho, conheço o Sr. Armando Alho e tenho em meu poder uma carta que lhe é dirigida no caso de eu necessitar alguma ajuda…
O homem ficou completamente admirado por eu não ter utilizado uma cunha que qualquer um nas minhas condições não deixava de aproveitar.
Lembro-me perfeitamente de ficar sem reacção quando o Tenente me diz;
- Então não precisa? Tem tido bons testes? Quer ir para atirador? Quer ser mobilizado? Não quer cumprir o resto da tropa aqui em Vendas Novas?
Respondi-lhe:
- Já escolhi as especialidades, mas o Aspirante do meu pelotão disse-me que devido aos meus testes físicos e escritos vou com toda a certeza para atirador.
O Tenente Arranhado voltou a argumentar.
- O seu Aspirante não tem que dar palpites, diga lá o que é que escolheu.
Eu respondi:
- Escolhi Artilharia de Campanha, para a possibilidade de ficar em Vendas Novas. Escolhi Artilharia de Costa e Mecânico Auto.
O dito cujo tenente mandou-me esperar e ausentou-se do gabinete durante uma eternidade (não mais de 15 minutos) e quando regressou disse-me:
- Artilharia impossível pois as vagas que tinham já estavam preenchidas, mas podia contar com a especialidade de mecânico auto.
Antes de sair do seu gabinete pedi-lhe desculpa por não lhe ter entregue a carta e perguntei-lhe se podia explicar as razões de tal acto, o que ele consentiu.
- Então é assim.
- O Armando Alho era o senhorio da habitação onde morava e tinha a fama e o proveito de ser um incorrigível mentiroso. Mentia tanto que por vezes se convencia que falava verdade.
Era do tipo em que se eu lhe dissesse que tinha uma máquina de barbear com rádio acoplado, ele argumentava logo que também tinha uma com televisão e tudo. De facto era um tretas do caraças, mas como era rico ninguém o desmentia e até achavam graça.
Num dos primeiros fins-de-semana que vim a casa (já não me recordo se desenfiado ou não), encontrei o meu pai a falar com o dito cujo Armando Alho, que morava na porta ao lado, que ao ver-me fardado e com as insígnias da “Artilharia”, me perguntou se eu estava em Vendas Novas.
Após a minha confirmação, levou-me ao seu escritório e escrevinhou prá li uma carta que eu tinha que entregar em mão ao seu grande amigo Arranhado. Vai daí ainda parece que o estou a ouvir:
- Meu rapaz na segunda-feira pedes logo para falar com o Tenente Arranhado e entrega-lhe esta carta em mão ouviste? Olha que se trata do 2º Comandante da Escola e como tal pode-te ajudar no que precisares.
Pensei cá pra mim:
- Então o Comandante da minha bateria de Instrução é um Major, que raio é que um Tenente me pode ajudar e, na sequência deste pensamento, deixei ficar a cartinha no armário. Azar o meu…
Como ainda era “maçarico” desconhecia que a hierarquia de comando da Bateria de Instrução nada tinha a ver com a da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas.
Rimo-nos os dois e saí do gabinete com a certeza de que o meu destino seguinte seria Sacavém.
Fiquei menos desalinhado pois ia continuar a minha formação militar numa unidade que, segundo informações de amigos, era uma rebaldaria (desde que se tivesse cuidado com o sabão amarelo) o que para mim era ouro sobre azul, pois eu era de facto “um baldas do caraças”.


CLEMENTE PINHO. Furriel Miliciano – Mecânico Auto – C.CAV. 2692

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

“Como eu entrei na Guerra”

“Como eu entrei na Guerra”
Capítulo 1º
Corria o ano de 1968 quando entendi não pedir adiamento do serviço militar para continuar a estudar.
Deixei pró que desse e viesse e fui chamado para assentar praça em Vendas Novas, no primeiro Curso de Sargentos Milicianos.
Dia 9 de Janeiro de 1969, eu e mais sete companheiros de escola, alguns desde a primária, apresentámo-nos no Quartel e assim iniciei a minha odisseia de combatente.
Por sorte o Sargento encarregado do depósito de equipamento estava casado com uma moça minha conhecida e toda a roupa e calçado que me foi distribuído assentava que nem uma luva, ao contrário de companheiros meus que rodavam dentro das botas e das calças. Enfim coisas da tropa de então.
Eu tinha 20 anos, jogava futebol, andava de festa em festa só para participar nas largadas de touros, que adorava e às 2ªs feiras na parada todo o meu corpo vibrava e se arrepiava, quando por entre o rufar dos tambores e o som da fanfarra , alguém dizia em voz muito solene “ No início de mais uma semana de instrução vamos lembrar os nossos camaradas que em terras de África, Ásia e Oceania lutam, sofrem, morrem e se engrandecem …” . Eu era de facto um exemplar nato de “carne pra canhão”.
Para azar meu fui colocado no 3º Pelotão da 1ª Bateria de Instrução, comandado por um Aspirante do Porto chamado Teixeira Lopes, auxiliado por um Cabo Miliciano tipo chico esperto a quem, cerca de um mês depois, estive vai na vai para lhe apertar o papo.
O 3º pelotão da EPA (Escola Prática de Artilharia) denominado escravos do TL (Teixeira Lopes), Escravos da Escola Penal Alentejana, Limpa Paradas, enfim uma série de nomeações que nos tiravam do sério e nos obrigavam a tomar algumas atitudes impensadas para a época.
Só para terem uma ideia. O meu companheiro da direita na formatura era um Algarvio, de que não me recordo o nome, mas a quem demos e muito bem a alcunha de “Sorna”. O nosso “sorna” em relação a este a que me refiro era um Ferrari.
Em dias de ordem unida era uma completa desgraça, razão das denominações que o pelotão granjeou. O amigo algarvio tirava-nos do sério pois a sua movimentação era de tal maneira lenta que destoava de toda a movimentação do pelotão e como tal nos obrigava a fazer horas suplementares até máquina estar afinada. Flexões, cangurus, rastejar com ou sem lama era o nosso fado até que um dia me tirou do sério e lhe apliquei um murro em pleno cachaço, que o obrigou a ir de focinhos ao chão mesmo em frente ao Aspirante.
Claro que lhe tive que cair logo encima e, enquanto gritava que o homem tinha desmaiado com o cansaço, disse-lhe ao ouvido o que o esperava se desse com a língua nos dentes.
Remédio santo, trigo limpo farinha amparo como se dizia na altura. O algarvio saiu da situação de letargia em se encontrava e passou a ser um bom companheiro.
Durante o tempo da recruta vi os fins-de-semana praticamente todos cortados ou por a cama estar mal feita ou por deixar as malas debaixo da dita cuja, situação que não inviabilizava o meu “desenfianço” até casa , que estava a cerca de 20 kms., preocupando-me apenas em cumprir com as formaturas e horas de recolher.
Lembro-me perfeitamente de que numa noite me debrucei sobre a minha cama e chorei, tal era a minha angústia por ter que aguentar quatro anos num ambiente que já me começava a dizer pouco.
No dia do Juramento de Bandeira foi com enorme satisfação que eu ouvi o Teixeira Lopes pedir-nos desculpa pela forma como nos tratou durante a recruta , acentuando que a sua intenção foi a de preparar homens em que podia confiar em qualquer situação de combate.
Compreendi a situação mas comei a ser um desafinado…
CLEMENTE PINHO. Furriel Miliciano – Mecânico Auto – C.Cav. 2692

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aos Camaradas da C. Cav. 2692

Hoje deixo-vos um pequeno poema, pequeno e simples, tal e qual como eu sou.
Foi escrito há muitos anos e revela, que de facto, eu sentia uma certa nostalgia dos tempos de África.
Este poema faz parte do meu livro:Ecos da Erra Velha.

De todos sinto saudade
Porque jamais esqueci
Aquela velha amizade
Que de todos recebi

Recordar os tempos idos
Que em Angola vivemos
São afectos repartidos
Pelas saudades que temos

Um abraço, mil abraços
Continuam a esperar
Até que eu vos possa ver

Talvez breve os meus passos
Orientem meu andar
para o sul do meu viver

José Diogo Júnior in Ecos da Erra Velha
Dêm também uma vista de olhos em:http://poesiademinhaalma.blogspot.com

Mais histórias

Quando estávamos no Mucondo como era sabido,as transmissões tinham de funcionar 24 horas.
Além disso o Cap.queria saber o conteudo de qualquer mensagem logo de imediato. Chegou uma que versava
o seguinte: Barraca segue deste para essa na próxima coluna...
Como eram quase 3horas da manhã,mas obedecendo às ordens,o Rui que tinha cifrado a dita,foi bater à porta
do quarto do Cap. para lhe dar conhecimento que de imediato lhe disse:
Vai chamar o furriel Gomes quero saber para que é a merda da barraca,depois de me perguntar se eu estava
maluco,é que se deu conta de que mais uma vez tinha ignorado por completo os códigos que eu mensalmente
colocava na gaveta do seu gabinete.
Esta passagem serve de algum modo para lembrar o Rui Silva que a colaboração dele está muito fraca....

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Outras Histórias

Caro amigo João Vieira, já tinha pensado que as recordações tinham acabado...
Só que as vezes a memória trai-nos,não foram dois dias mas sim algumas horas acredito que pareceu-nos 2 dias eramos para chegar às 18 e chegamos próximos da s 24. O que interessa é que chegamos e estamos vivos
para recordar.

O Regresso

A última história que me lembro da nossa “guerra”, depois de ter estado uns dias a pensar, é a do regresso. Fomos dos primeiros a utilizar os novos Boeings 707 que a Força Aérea comprou para transporte de tropas. E termos sido dos primeiros teve um preço! A nossa Companhia, que foi, se a memória está certa, a última a embarcar, quase um mês depois do que deveria ter sido, dirigiu-se toda lampeira para o aeroporto no dia aprazado, de onde, todos contentes, levantámos voo em direcção à almejada Lisboa. Apenas nove horas nos separavam do fim do que nos parecia ter sido um pesadelo. Mas o destino pregou-nos ainda uma partida. Pouco depois de levantar o avião começou a circular Luanda e o mar e como nós éramos uns desprezíveis passageiros, nada nos foi dito, continuando o avião a descer e a subir e às rodas sem se fazer à estrada! Até que, uns bons quarenta minutos depois, tornámos a aterrar em Luanda! Esperámos ainda dois dias para voltar a embarcar e, aí sim, virmos direitos para Lisboa!
Penso que, com esta memória, encerro a minha participação neste blog mas queria fazê-lo com uma espécie de declaração. Como ficou dito fiz tudo o que pude para “cumprir o meu dever” na forma que defini. Acho que uma das razões porque o fiz foi porque eu acreditava na utopia de que Portugal tinha a obrigação de “construir novos Brasis”, como a propaganda da época dizia. Há uns cinco anos voltei mais uma vez a Angola e vi, sem possibilidade de retorno, uma sociedade semelhante a um Brasil. Escrevi então num artigo que afinal tinha pertencido à “última geração” de portugueses que, ao longo dos séculos, defendeu, com armas na mão, uma ideia maior do que as nossas próprias forças, ideia essa, utopia que fosse, se concretizara, como tantas outras loucuras dos portugueses.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MILITARÃO E DIPLOMATA

As qualidades de "militão"atribuidas ao Comandante de Batalhão Ten.Cor.Duarte Silva, já foram, por diversas vezes, referidas em anteriores comentários, o que, no entanto, para nós sempre foi evidente.Recordo-me, ao fim deste tempo todo, de uma passagem ocorrida no Mucondo, aquando de uma programada "operação a nível do batalhão" com início no nosso Quartel. Na data da concentração do pessoal estava eu junto dos meus papeis a tentar conciliar o custo da "ementa" com o custo da "verba atribuida" quando o cabo mecânico Brinquete, me aborda no sentido de eu, simples Vagomestre, ir comandar o pessoal destinado a proteger quem, necessáriamente, tinha a função de pôr a trabalhar a bomba que abastecia de água o nosso quartel, ainda por cima, nessa altura com muita gente que necessitava de tomar banho. Até aqui tudo bem. Ora eu, estava vestido (como era natural dentro do quartel) de farda de terylene. Perante tal solicitude urgente, indadevertidamente, vesti o dolmen camuflado e coloquei na cabeça o "quiko" da farda de trabalho, catucheira ao cinto e G3 na mão e lá fomos.Escusado será dizer que ia mal uniformizado.Felizmente correu tudo bem. Só que quando a viatura que nos transporta regressou ao quartel constatei que na zona de estacionamento das viaturas o espaço estava cheio, que significava que o Comantante já tinha chegado, o que queria dizer, que caso ele me visse, lógicamente me chamaria a atenção, tendo dito ao pessoal que me acompanhava que dispersasse no meio de tanta gente que por alí circulava. Tal como pensei assim aconteceu, quem deu nas vistas fui eu, pois que, estando a tentar desaparecer daquele espaço, ouço aquela voz inconfundível a chamar por mim: - Amaral! Amaral!. Escusado será dizer que tive de me apresentar, tendo ouvido o seguinte: - Olhe lá ó Amaral, sabe-me dizer se já estamos no Carnaval?. A minha resposta imediata foi: - Meu Comandante , sinceramente, dado que aqui no mato os dias são todos iguais nem sei ao certo. E ele insistiu dizendo: -Mas ainda lá não chegámos?. Disse-lhe (o que havia de dizer?) que não. E então, com aquela sua maneira calma e com a "diplomacia", que, também o caracterizava, mandou-me embora dizendo: - Então se ainda não estamos no Carnaval que se "brinque" só nessa altura. Penso que nem sempre com o ditos palavrões militares se repreende um subordinado. Teria defeitos mas também tinha as suas virtudes. Para terminar digo que não me arrependo que tenha tomado a iniciativa de, depois de 18 anos, em 1990, quando organizei em Mangualde, em conjunto com o Chaves, o nosso almoço daquele ano, o ter convidado a estar presente pela 1ª vez, a que ele acedeu de imediato. Se me não engano, até vir a falecer nunca mais faltou.
Paz à sua alma.

Histórias da tropa

Como já foi dito a nossa ida para o Grafanil teve algumas vantagens"deixar de estar isolados"
mas a desvantagem de irmos para locais desconhecidos,até foi aí que tivemos mais baixas, o
que eu queria contar creio que passados estes anos até tem graça ...
Estavamos no Bom Jesus e adivinhava-se mais uma das saídas para o mato era a vez do4ºPel.
O Tavares aparece então com uma bota calçada e outra na mão :
Não posso andar ,esta noite levantei-me e bati com um pé na espia da barraca, Sr. dr. que é
que acha?
Nesse estado ele não pode ir diz o Dr. (entre dentes diz o Tavares"mais uma batalha ganha"
É que o acidente tinha sido feito por ele de prepósito, achei graça a esta passagem só não
sei o Dr. topou ou se também foi comido.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Grafanil

Ao falar em Grafanil.faz com que recorde mais uma injustiça em que a tropa infelizmente era fértil. Desta vez fui sem o poder evitar,um dos protagonistas.
Como o Vieira disse, no Grafanil era comun a ida à praia e se havia quem não gostava outros
não deixavam de ir sempre que possivel. O Cap. tinha dito que ía passar revista, mas trocar
uma ida à praia por uma ao barbeiro,era demais para um jovem que ainda tinha estado de
serviço durante a noite.
Chegada a altura da revista o Alfama foi apanhado no apertado crivo do nossoTaxa.
Diz ele (Taxa) já que não cortaste o cabelo,vai ter com o Gato e: cabelo á bola de bilhar!
Capitão não me faça isso, vou conhecer a minha filha e não gostaria de aparecer lá assim...
Ias responde o nosso cap. O homem,saltou-lhe a mola e respondeu, então não corto,
como nós sabemos isso era uma coisa que não podia acontecer, Gomes chame as praças de
guarda e o cabelo tem de ser cortado,a bem ou a mal.
Enquanto ele estava a ser agarrado e desabafando, só não chamou pai ao dito.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vida no Grafanil

Os tópicos que assentei num papel, num primeiro e rápido esforço de memória, das histórias que passaria para este blog, chegam rapidamente ao fim mas para hoje ainda lembrarei a nossa “vida” no Grafanil.
Como já lembrei uma das grandes preocupações era manter o pessoal ocupado. Não era fácil visto que no Grafanil não estávamos só nós. Estava o batalhão inteiro. De modo que depois da formatura das oito, uma das ocupações era, no bom tempo, ir à praia. Para isso havia uma ou duas berliets e uma praia, perto de Luanda, que estava reservada a militares e que se situava em frente da ilha do Mussolo. Sempre gostei de praia de modo que me ofereci para chefe dessa guerra, quantas vezes se me ofereceu, acompanhando os militares que também se ofereciam para esse esforço, quase sempre, como eu, originários de terras perto do mar. Não tinha concorrentes, coisa que me espantava imenso, mas a maior parte dos oficiais do batalhão ainda me agradecia por eu me voluntariar. Saíamos logo após o pequeno-almoço dos oficiais, que era depois da formatura das oito, e voltávamos por volta das onze horas. Estava assim gasta a manhã.
Lembro-me de em uma dessas manhãs estar a olhar para o céu, deitado na areia depois de um décimo mergulho, e surgir um helicóptero que começa a fazer evoluções entre o Mussolo e a praia onde nos encontrávamos e de repente ver desprender-se a asa pequena de trás e, no seguimento, o helicóptero destrambelhar-se por ali a baixo caindo no mar. Li depois que morreram todos os passageiros, oficiais sul-africanos cuja presença em Luanda tinha sido negada na véspera, em todos os jornais, como sendo mais uma calúnia.
Um outro grande acontecimento a partir do Grafanil foi a viagem que o Chaves, eu, o Sá e creio que o Pinho, de outras companhias fizemos num Volkswgem que o Chaves arranjou emprestado de um amigo e que nos levou em quatro dias, dados generosamente pelo comandante, a Nova Lisboa, Sá da Bandeira (Tundavala), Moçamedes, Lobito e Benguela. Mais de dois mil quilómetros mas bem dita viagem que ficou para sempre na memória! Tenho uma fotografia de um indígena, na serra que desce de Sá da Bandeira para Moçamedes, nesse tempo em estrada batida de terra, em que o dito indígena tem umas penas na cabeça, uma tanga, uma lança e o escudo e lembro o diálogo que com ele travei quando me aproximei com a máquina dos retratos na mão. Pôs o escudo em frente à cara e espreitando disse: – são cinquenta pau! Perante a minha indignação e o regateio que se seguiu lá consentiu em receber cinco pau e … foi um pau!