quarta-feira, 24 de novembro de 2010

“Como eu entrei na Guerra”

“Como eu entrei na Guerra”
Capítulo 1º
Corria o ano de 1968 quando entendi não pedir adiamento do serviço militar para continuar a estudar.
Deixei pró que desse e viesse e fui chamado para assentar praça em Vendas Novas, no primeiro Curso de Sargentos Milicianos.
Dia 9 de Janeiro de 1969, eu e mais sete companheiros de escola, alguns desde a primária, apresentámo-nos no Quartel e assim iniciei a minha odisseia de combatente.
Por sorte o Sargento encarregado do depósito de equipamento estava casado com uma moça minha conhecida e toda a roupa e calçado que me foi distribuído assentava que nem uma luva, ao contrário de companheiros meus que rodavam dentro das botas e das calças. Enfim coisas da tropa de então.
Eu tinha 20 anos, jogava futebol, andava de festa em festa só para participar nas largadas de touros, que adorava e às 2ªs feiras na parada todo o meu corpo vibrava e se arrepiava, quando por entre o rufar dos tambores e o som da fanfarra , alguém dizia em voz muito solene “ No início de mais uma semana de instrução vamos lembrar os nossos camaradas que em terras de África, Ásia e Oceania lutam, sofrem, morrem e se engrandecem …” . Eu era de facto um exemplar nato de “carne pra canhão”.
Para azar meu fui colocado no 3º Pelotão da 1ª Bateria de Instrução, comandado por um Aspirante do Porto chamado Teixeira Lopes, auxiliado por um Cabo Miliciano tipo chico esperto a quem, cerca de um mês depois, estive vai na vai para lhe apertar o papo.
O 3º pelotão da EPA (Escola Prática de Artilharia) denominado escravos do TL (Teixeira Lopes), Escravos da Escola Penal Alentejana, Limpa Paradas, enfim uma série de nomeações que nos tiravam do sério e nos obrigavam a tomar algumas atitudes impensadas para a época.
Só para terem uma ideia. O meu companheiro da direita na formatura era um Algarvio, de que não me recordo o nome, mas a quem demos e muito bem a alcunha de “Sorna”. O nosso “sorna” em relação a este a que me refiro era um Ferrari.
Em dias de ordem unida era uma completa desgraça, razão das denominações que o pelotão granjeou. O amigo algarvio tirava-nos do sério pois a sua movimentação era de tal maneira lenta que destoava de toda a movimentação do pelotão e como tal nos obrigava a fazer horas suplementares até máquina estar afinada. Flexões, cangurus, rastejar com ou sem lama era o nosso fado até que um dia me tirou do sério e lhe apliquei um murro em pleno cachaço, que o obrigou a ir de focinhos ao chão mesmo em frente ao Aspirante.
Claro que lhe tive que cair logo encima e, enquanto gritava que o homem tinha desmaiado com o cansaço, disse-lhe ao ouvido o que o esperava se desse com a língua nos dentes.
Remédio santo, trigo limpo farinha amparo como se dizia na altura. O algarvio saiu da situação de letargia em se encontrava e passou a ser um bom companheiro.
Durante o tempo da recruta vi os fins-de-semana praticamente todos cortados ou por a cama estar mal feita ou por deixar as malas debaixo da dita cuja, situação que não inviabilizava o meu “desenfianço” até casa , que estava a cerca de 20 kms., preocupando-me apenas em cumprir com as formaturas e horas de recolher.
Lembro-me perfeitamente de que numa noite me debrucei sobre a minha cama e chorei, tal era a minha angústia por ter que aguentar quatro anos num ambiente que já me começava a dizer pouco.
No dia do Juramento de Bandeira foi com enorme satisfação que eu ouvi o Teixeira Lopes pedir-nos desculpa pela forma como nos tratou durante a recruta , acentuando que a sua intenção foi a de preparar homens em que podia confiar em qualquer situação de combate.
Compreendi a situação mas comei a ser um desafinado…
CLEMENTE PINHO. Furriel Miliciano – Mecânico Auto – C.Cav. 2692

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