quinta-feira, 30 de setembro de 2010

À chegada ao Mucondo julgo que estávamos todos muito apreensivos desde logo porque à esquerda da porta de armas, porta que, naturalmente, não existia, situava-se um cemitério que nos fazia lembrar o nosso eventual próximo futuro.
Os primeiros dois ou três meses da comissão foram de uma enorme tensão por, creio, três razões: primeiro porque estávamos integrados num batalhão que, dizia-se, tinha um comandante que era uma fera e despachava “porradas” por dá cá aquela palha; segundo porque o “nosso” capitão tinha experiência de guerra da Guiné não parando de nos contar histórias absolutamente deprimentes para quem não era nenhum herói (emboscadas por todo o lado, minas a todo o momento, feridos, estropiados … eu sei cá). E foi nesse ambiente de enorme tensão (ou medo) que o capitão me mandou, creio que no primeiro dia da nossa chegada ao Mucondo, armar uma emboscada à “lixeira” que se situava pouco abaixo do citado cemitério. Lá fomos, não me lembro se com o pelotão inteiro ou apenas uma parte dele, e lá ficámos um bocado naquela escuridão a olhar tristemente para o cemitério iluminado pelas luzes do quartel.
A lixeira tinha uma fogueira aberta onde o lixo ardia lentamente. A certa altura ouviram-se uns estalos que imediatamente identificámos como um “ataque às nossas forças”. E foi assim que mandei disparar um dialagrama para cima do ponto de origem dos disparos (a lixeira). A granada explodiu devidamente, fez um cagaçal enorme e, logo de seguida nada se passou. É claro que isto tudo provocou um fenomenal alvoroço no quartel, que se julgou igualmente atacado. Lá regressados e depois de identificados os estampidos como cartuxos de balas abandonados na fogueira da lixeira que ardia fui, evidentemente, gozado, chamado de maçarico e tudo o mais. Mas escrevi no meu diário: - Não me ralei, mais vale prevenir do que remediar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A memória, felizmente, retém mais o que de bom ou engraçado se passou do que propriamente as coisas terríveis que nós no momento vivemos. É claro que a nossa guerra foi um cansaço, uma solidão, um tempo de apreensão, para não dizer de medo. Mas de tudo isso ficou, para mim, uma experiência absolutamente inesquecível que, talvez, tenha tido mais importância da minha formação pessoal do que muitas outras experiências que não identifico. Quando entrei em Mafra (com vinte e um anos!) era completamente diferente do que me tornei ao chegar a Lisboa, vindo de Angola, com vinte e quatro anos. E essa experiência intensa nunca mais teve, na minha vida profissional que se aproxima agora do fim, qualquer período que se lhe pudesse comparar em aprendizagem compactada, aprendizagem essa que me foi muito útil e pela qual, imaginem, estou agradecido.
Em duas ou três mensagens neste blog, em boa hora criado pelo António Gonçalves que pertenceu ao meu pelotão e que foi, com o Justino, uma figura absolutamente fundamental, vou escrever dois ou três episódios mais marcantes para a minha memória. Se eles correspondem ao que de facto se passou, não posso garantir; só posso dizer com o meu saudoso e querido amigo, José Aragão, do primeiro pelotão, no fim de uma história qualquer de guerra sempre muito apimentadas: – “não estás a acreditar, pá, mas juro-te que é verdade. Se calhar tu não estavas lá naquela altura”. Amanhã escrevo a primeira.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Gomes e os rádios fora deserviço

Estava eu recordando alguns momentos passados durante a nossa estadia no Mucondo,quando

me ocorreu um episódio que é bastante "divertido" e diz tudo....

Depois do ataque a uma fazenda da qual originou a morte dum trabalhador havia queprocurar

os elementos culpados.

Gomes,monte um rádio na viatura porque temos de ter comunicações ,depois de várias tentativas sem exito:

Meu Capitão não consigo. o~rádio vai-se abaixo com omotor da viatura.

Vá vestir o camuflado e vai no lugar do rádio .

Chegados próximos do rio,enquanto todos todos sairam das viaturas com excepção dos condutores ,ao Gomes não foi permitido porque naquela altura não era o Furriel de transmissões,

era apenas um ANGRC9.

Ciclismo no Mucondo

Quem se lembra desta bicicleta?
Foi encontrada na mata!...
Mas quem foi o felizardo que encontrou esta relíquia?
No meu album de fotografias militar, esta é uma das que eu mais admiro. Nao pela foto em si, mas por ver até onde chega a imaginacao humana e a quanto obriga a necessidade.
Para mim é uma grande recordacao do Mucondo.
Um abraco a todos
Evocação
General Joaquim Miguel Duarte Silva
Por João Forjaz Vieira (in jornal "O Almonda, 22/7/2007)

Hoje telefonou-me um antigo “camarada de armas” dando-me a notícia da morte do nosso antigo comandante de batalhão em Angola, de 1970 a 1972, na altura tenente coronel de cavalaria, hoje general, Joaquim Miguel de Matos Fernandes Duarte Silva que passou anos a fio no quartel de Torres Novas e depois no de Santarém. Não pude reprimir uma lagriminha no canto do olho porque se houve chefe por quem tive respeito e consideração foi por ele. Julgo mesmo que lhe devo muito porque não penso que fosse possível ter um melhor exemplo de determinação no cumprimento do seu dever, de vontade de servir o que chamamos a “Pátria” e de qualidades humanas disfarçadas numa atitude disciplinadora muito exigente, mas sempre justa.
Para além disso tudo, julgo que lhe devo muito porque um batalhão bem organizado e disciplinado, por muita guerra que queira fazer, como era o caso, felizmente sem muito sucesso, está sempre mais protegido e preparado para enfrentar surpresas do “inimigo”. Não as houve porque o “inimigo” não era parvo e sabia com quem se devia meter.
Desculpem os leitores se lhes conte agora duas “histórias de guerra”.
Antes de embarcar havia, no tempo da outra senhora, uma última grande operação, em Portugal, de treino das tropas. A minha passou-se na Serra de Ossa durante quinze dias. A determinada altura foi-me dito que o meu pelotão devia atacar o comando e que eu devia preparar um plano de ataque. Assim fiz e creio que apresentei um plano bem engenhoso que só poderia conduzir à captura do comandante e do pai e da mãe dele, o pai igualmente general, que nessa noite estavam no comando. No papel, como muitas vezes sucede, não havia possibilidades de falha. Mas falhou, porque se introduziu inesperadamente outro grupo de combate pelo meio, estabeleceu-se a maior confusão e eu e os meus homens fomos todos apanhados. Fiquei danado e envergonhadíssimo mas ainda recordo o olho azul de gozo e compreensão do general Duarte Silva dizendo: – em todo o caso o plano era bom!
A segunda história passa-se já quase no fim da comissão quando em Luanda o gen. Duarte Silva determinou que todos os Sábados haveria uma revista às tropas em parada, e ao quartel, com o objectivo de não deixar “abandalhar a tropa”, coisa muito possível naquela condição de veteranos em Luanda. Num desses Sábados a minha bota não estava apertada e um dos soldados disse-mo tendo outro argumentado “não faz mal porque ao nosso alferes o comandante não diz e finge que não vê. E eu disse: – aposto que vê e diz. E assim foi. Passou como uma seta, virou-se para trás cinquenta metros à frente e berrou por mim. Lá chegado disse-me baixo: – “não tem vergonha de ser o único mal “ataviado”? Um comando que é altamente previsível, por mais rigoroso e picuinhas que seja, é um comando sempre justo e as pessoas sabem com o que contam.
O general Duarte Silva era, além de tudo, um herói, com todas as qualidades físicas e militares que um herói requer. E eu, apesar disso, não sendo nem herói nem possuindo qualidades militares nem físicas para o ser, sentia-me muito bem com ele. Porquê? Porque o general Duarte Silva defendia uma tese muito simples: – um bom chefe militar revela-se quando comanda tropas comuns, da cangalhota. Porque comandar tropas especiais, com pessoal física e militarmente excelentes, é fácil. Era a aplicação da célebre frase grega: – mais vale um exército de veados comandados por um leão do que um exército de leões comandados por um veado. O general Joaquim Miguel Duarte Silva era um leão. Deus o guarde.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Operação Barrosã

Em Agosto passado uma secção reduzida do 4º pelotão fez um golpe de mão na zona de Trás-os-Montes.

Compareceram à formatura: o atirador Gonçalves, também conhecido por Braga, o cabo enfermeiro Rodrigo Silva e o autor desta croniqueta. Como a operação continha algum risco, e para ajudar a manter o moral das tropas destreinadas, foi também convocado o Capelão, nosso querido Padre Carneiro, que compareceu municiado com meia dúzia de bazucas, produzidas no seu arsenal privativo.

O objectivo localizava-se no concelho de Boticas, onde mora o Carneiro, que era o mais velho do 4º pelotão. Ele vive em Atilhó, uma bela aldeia de granito, carregada de História, digna de ser visitada. Lá as vacas ainda pastam em baldios comunitários e existe forno onde todos cozem o pão. A nossa missão era atacar umas postas de vaca barrosã, e umas chouriças com sabor inesquecível.

Antes do meio-dia surpreendemos completamente o Domingos Carneiro e sua Gracinda quando regressavam do campo para casa.

Deu-se então o grande combate. O capelão, na cabeceira da mesa, tomou o comando das operações, enquanto a D.Gracinda se esmerava a reabastecer a mesa. Da ração há que destacar os bem saborosos enchidos e especialmente os deliciosos nacos de carne de vitela barrosã. Do cantil para as canecas saiu um tinto a condizer e no fim um champanhe bem apreciado.

Na operação houve uma baixa, mas com asas. Após várias tentativas o capelão acabou por acertar na mosca que também disputava os petiscos.

Carlos Dias


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O meu aplauso

Ora aqui está uma ideia brilhante e merecedora do nosso aplauso! Um espaço para a(s) história(s) da 2692. Muitos de vós recordam-se perfeitamente de muitas cenas, especialmente aquelas que ainda não sejam do conhecimento geral, ou cujos detalhes terão sido oportunamente ignorados. Todas essas cenas merecem ser re/contadas. Agora que os galões e as divisas valem o mesmo que nada, não há que ter receio de carecadas, porradas e outras encrencadas.

Lembram-se do levantamento de rancho por causa do feijão com gorgulho? Sei que alguém contou a cena em verso. Quem tem os versos? Quem foi o autor?

Sabes contar e não tens jeito para escrever as cenas? Diz-nos isso mesmo. Alguém te contactará para dar pernas às histórias.

Resumindo: Este é o local para as crónicas dos bons malandros e dos outros. De que estás à espera para participar?

Carlos Dias