terça-feira, 28 de setembro de 2010

Evocação
General Joaquim Miguel Duarte Silva
Por João Forjaz Vieira (in jornal "O Almonda, 22/7/2007)

Hoje telefonou-me um antigo “camarada de armas” dando-me a notícia da morte do nosso antigo comandante de batalhão em Angola, de 1970 a 1972, na altura tenente coronel de cavalaria, hoje general, Joaquim Miguel de Matos Fernandes Duarte Silva que passou anos a fio no quartel de Torres Novas e depois no de Santarém. Não pude reprimir uma lagriminha no canto do olho porque se houve chefe por quem tive respeito e consideração foi por ele. Julgo mesmo que lhe devo muito porque não penso que fosse possível ter um melhor exemplo de determinação no cumprimento do seu dever, de vontade de servir o que chamamos a “Pátria” e de qualidades humanas disfarçadas numa atitude disciplinadora muito exigente, mas sempre justa.
Para além disso tudo, julgo que lhe devo muito porque um batalhão bem organizado e disciplinado, por muita guerra que queira fazer, como era o caso, felizmente sem muito sucesso, está sempre mais protegido e preparado para enfrentar surpresas do “inimigo”. Não as houve porque o “inimigo” não era parvo e sabia com quem se devia meter.
Desculpem os leitores se lhes conte agora duas “histórias de guerra”.
Antes de embarcar havia, no tempo da outra senhora, uma última grande operação, em Portugal, de treino das tropas. A minha passou-se na Serra de Ossa durante quinze dias. A determinada altura foi-me dito que o meu pelotão devia atacar o comando e que eu devia preparar um plano de ataque. Assim fiz e creio que apresentei um plano bem engenhoso que só poderia conduzir à captura do comandante e do pai e da mãe dele, o pai igualmente general, que nessa noite estavam no comando. No papel, como muitas vezes sucede, não havia possibilidades de falha. Mas falhou, porque se introduziu inesperadamente outro grupo de combate pelo meio, estabeleceu-se a maior confusão e eu e os meus homens fomos todos apanhados. Fiquei danado e envergonhadíssimo mas ainda recordo o olho azul de gozo e compreensão do general Duarte Silva dizendo: – em todo o caso o plano era bom!
A segunda história passa-se já quase no fim da comissão quando em Luanda o gen. Duarte Silva determinou que todos os Sábados haveria uma revista às tropas em parada, e ao quartel, com o objectivo de não deixar “abandalhar a tropa”, coisa muito possível naquela condição de veteranos em Luanda. Num desses Sábados a minha bota não estava apertada e um dos soldados disse-mo tendo outro argumentado “não faz mal porque ao nosso alferes o comandante não diz e finge que não vê. E eu disse: – aposto que vê e diz. E assim foi. Passou como uma seta, virou-se para trás cinquenta metros à frente e berrou por mim. Lá chegado disse-me baixo: – “não tem vergonha de ser o único mal “ataviado”? Um comando que é altamente previsível, por mais rigoroso e picuinhas que seja, é um comando sempre justo e as pessoas sabem com o que contam.
O general Duarte Silva era, além de tudo, um herói, com todas as qualidades físicas e militares que um herói requer. E eu, apesar disso, não sendo nem herói nem possuindo qualidades militares nem físicas para o ser, sentia-me muito bem com ele. Porquê? Porque o general Duarte Silva defendia uma tese muito simples: – um bom chefe militar revela-se quando comanda tropas comuns, da cangalhota. Porque comandar tropas especiais, com pessoal física e militarmente excelentes, é fácil. Era a aplicação da célebre frase grega: – mais vale um exército de veados comandados por um leão do que um exército de leões comandados por um veado. O general Joaquim Miguel Duarte Silva era um leão. Deus o guarde.

2 comentários:

  1. Subscrevo no que toca às qualidades humanas e militares do Leão que nos conduziu por terras de Angola.
    Lamento que, da nossa parte, ao longo do tempo não se tenham criado condições para a homenagem pública que o General merecia.
    Quando fiz a recruta e a especialidade na EPC, em Santarém o, então, Tenente Coronel Duarte Silva era uma lenda. Na altura eu estava longe de pensar que seria ele quem viria a comandar o meu Batalhão. Sobre ele contavam-se imensas histórias. Pode ser que algum dos camaradas (da tropa claro) arranje tempo e paciência e conte por aqui algumas delas. São interessantes e embora sejam histórias falam um pouco do perfil desse homem quase mítico que foi Duarte Silva.
    O meu último contacto com o DS foi em Estremoz, lembro-o bem, ele tinha organizado um almoço de todo o Batalhão no RC3; depois do repasto, na conversa da tarde, ficou-me na memória o seu sorriso para o meu filho (dessa vez eu tinha levado o meu filho) enquanto proferia: "ah! Este não usa brinco"!
    Existem outros actores face aos quais não devemos deixar passar o tempo sem que, conjunta e publicamente, lhes prestemos a homenagem devida.
    Tal como o Vieira também não tenho espírito guerreiro, falta-me a agressividade, o que não me impede de ter avaliado a coragem, o vigor e sobretudo o humanismo de alguns dos nossos comandantes. Homens que honraram o Exército e a Pátria, "conheceram e velaram pelos seus soldados".
    Ao Vieira o meu agradecimento por este Excelente post.

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