segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A palavra “polícia” alertou a minha memória para um outro episódio de natureza diferente. Quem fez o serviço militar sabe que a disciplina é imposta na base da capacidade de infligir um castigo ou, na gíria “dar uma porrada”. As “porradas” variavam de acordo com o estatuto do “castigador”. Um alferes e um furriel não passavam primeiro dos gritos e das ameaças, depois das”flexões”, em menor ou menor quantidade, pelas “carecadas” e, por último, em última instância, a capacidade de participar do subalterno. O comandante e o capitão tinham fama de disparar à primeira mas, tudo visto, foi mais a garganta do que o que se passou efectivamente na prática. Em todo o caso lembro de um dia estar em Stª Eulália e, por mero acaso, despedir-me da vítima mais grave do Regimento de Disciplina Militar. Um capitão miliciano do nosso batalhão, de que felizmente nem o nome lembro, que, com lágrimas nos olhos me contou que o nosso comandante lhe tinha aplicado a pena máxima de prisão porque ele se tinha recusado a sair para o mato com a companhia dele. E lembro na altura pensar quão desgraçado era aquele infeliz que, com filhos, vida profissional estabilizada, com muito mais de trinta anos, estava ali a ter que cumprir uma missão para a qual nem para o mínimo conseguia reunir força anímica.
Mas a palavra “polícia” tem a ver com outra história.
Um furriel da nossa companhia participou de um soldado. Nestes casos a participação era instruída por um “oficial da polícia judiciária militar” e eu fui, sem a menor ideia da tarefa a desempenhar, nomeado para essa função. Naturalmente havia duas “ajudas” fundamentais: a sabedoria do sargento do quadro que me deu todas as indicações a seguir e o manual de procedimentos. Iniciei o processo ouvindo as partes e as testemunhas, como mandavam as regras, e rapidamente concluí que quem merecia levar a “porrada” era o furriel e não o soldado. Tirada essa conclusão achei que era demais dar-lhe andamento porque resultaria numa desproporção nas consequências: se o soldado fosse punido seria uma punição pequeníssima mas se fosse o furriel outro galo cantaria. Assim o processo seguiu para o comandante sem conclusão e sem assinatura. Quinze dias depois fui chamado a Zemba, sede do batalhão, e lá ouvi uma enorme arenga do comandante sobre não ter cumprido a minha função porque o processo não estava concluído. Respondi (e marquei no meu diário: fiquei furioso com o”cabrão” do comandante) que achava demais concluir imediatamente o processo dado a inesperada conclusão do mesmo. Fui despedido com maus modos e voltei ao Mucondo sem mais notícias. Uns tempos depois o capitão disse-me que o comandante tinha mandado retirar a participação, o que me encheu de satisfação.
Foi a única experiência que tive de “agente da polícia judiciária militar” mas ficou-me na memória tal como está descrita. Terá sido assim? Não posso confirmar com os intervenientes porque também não lembro o nome deles.

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