terça-feira, 19 de outubro de 2010

Como já escrevi aqui “o nosso comandante”, na altura tenente-coronel, era um herói, considerado um militar competentíssimo e uma “fera”. No meu ponto de vista não era uma fera e sim uma pessoa muito justa, com grande dignidade e com um grande sentido do dever. Por isso, nunca, creio, tive “medo” dele porque sempre o julguei altamente previsível e incapaz de uma patifaria sobre alguém apenas por gozo pessoal. Era porém um “militarão” e isso significava exigência, disciplina, cumprimento do dever mínimo coisa que ele fazia questão de frisar quando, num intervalo de um jogo de gamão que perdi, desenvolveu a teoria, referindo-se ao general Spínola, que o que ele fazia na guerra não era nada de especial porque só aceitava como oficiais os que tinham estofo de herói despachando todos os outros com castigos infamantes. O difícil dizia, era comandar com êxito tropas da cangalhota. Sempre gostei dele embora eu estivesse quase nas antípodas do “militarão”. E só não estava nas antípodas porque tinha a ideia da indispensabilidade de disciplina que procurei manter até ao último momento, estando a minha tarefa muito facilitada pelo ambiente do batalhão. Toda esta introdução para contar um episódio do meu pelotão com o comandante. Além das operações de companhia ainda participávamos em operações de batalhão. Foram várias mas lembro duas em especial: a da comemoração do ano de estadia no Mucondo, que contarei amanhã o que me lembro dela, e a operação em que o comandante se integrou no meu pelotão. Não lembro nem o nome nem as razões da operação. O que lembro é que no último minuto o comandante que assistia ao início da progressão da tropa pela mata fora, integrou-se, ele e a equipa dele, uns cinco ou seis soldados à minha frente de modo que, durante todo o tempo, o tive debaixo de olho. A certa altura, depois de horas de caminhada, quando passávamos junto a uma orla de floresta estando nós do lado de uma “lavra” (portanto mais ou menos a descoberto) soou, um tiro de canhangulo. Como manda a regra atirámo-nos todos para o chão e, estando o comandante ali mesmo, esperámos pelas ordens dele. Não houve nenhuma ordem porque o próprio pegou na G3, armou-lhe um dilagrama (o dilagrama era uma granada adaptada precisamente por ele às G3) e disparou a dita para o ponto de disparo do canhangulo. O dilagrama estoirou com um barulho enorme. Fez-se silêncio quebrado logo depois, por um chorrilho de insultos em bom português vindo do lado da mata: seus cabrões, vão para o Puto, filhos da puta etc etc ao que os nossos soldados responderam com a mesma moeda: puta é a tua mãe e a tua mulher etc etc tudo terminando numa enorme gargalhada. Eu achei a maior das graças, sobretudo o facto de nos insultarmos em português e pelo menos do nosso lado a rir. Não tenho a certeza de o comandante ter achado graça … porque ele era um militarão!

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