sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Inicialmente ir à mata, para além do enorme esforço físico, era também um susto agravado pela ideia de guerra que tinha o nosso capitão, um militar com estofo de herói, com desejo de o ser e, como já disse, um voluntarista terrível. Apesar disso em recente conversa com ele disse-me que eu gostava de fazer operações com ele. E a verdade é que achava que ele, apesar do que disse atrás sobre as suas características, sabia e gostava da profissão dele pelo que entendia que era melhor ir com ele do que comigo próprio. A primeira operação que fiz, depois da lixeira, foi com ele e lembro a espantosa estafadela de dez horas seguidas para cima e para baixo porque, tal como seria na Guiné, mal parássemos levaríamos uma fogueirada terrível. Levou algum tempo a perceber-se que apesar de estarmos numa zona considerada terrível ali o In (inimigo) não tinha poder de fogo nenhum e portanto o que se podia esperar de uma operação de visita a lavras e povoações no meio da mata era apanhar mulheres, velhos e crianças. Foi isso que se fez com bastante sucesso. Ao princípio os soldados corriam com armas e bagagens atrás do pessoal surpreendido nas lavras. Depois largavam as armas e bagagens para mais facilmente desatar na correria. Esses “apanhados” naturalmente ficavam desconfiados de nós. Eram transportados para o quartel onde começaram por comer à fartazana dos nossos mantimentos carregados de sal com consequências médicas inacreditáveis: - em dois dias estavam inchadíssimos e depois o médico tinha que lhes aplicar uma dieta terrível para corrigir o excesso de sal. Passados uns dias os apanhados eram transportados para uma sanzala que nunca visitei e daí, com o maior dos à-vontades, regressavam à mata para visitar os parentes e amigos. De todos os “apanhados” lembro a Teresa de que falei ontem; um homem velho que o capitão convenceu a voltar à mata e chamar a família dele coisa que aconteceu pela metade e, naturalmente do Marcelino, miúdo filho de um chefe vítima da guerra que inicialmente nos chamou os maiores palavrões e desconsiderou-nos tanto quanto soube. Ficou os dois anos connosco. Penso que quando deixámos Luanda o comandante inscreveu-o num colégio interno e que terá sido o herdeiro dos bens do batalhão na data da sua extinção. Lembro nitidamente quando viajámos em coluna militar do Mucondo para Luanda da cara dele que eu expiava com enorme curiosidade quando o mar, que ele pela primeira vez via, apareceu na nossa frente. Que terá sido feito deste Marcelino?

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