sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

"Como eu entrei na Guerra"



Capítulo 11 º

Ser instrutor de condução só dava sarilhos.



O José Tavares, Furriel Atirador, homem da picada numa guerra que não era a dele, para se distrair das agruras da mesma, resolveu que estava na hora de colocar em prática os seus dotes de condutor ou aprender mesmo a conduzir, o que eu nunca cheguei a saber.
Sentadinhos no jipe, ele ao volante e eu ao seu lado como co-piloto, metemos pernas ao caminho, ou seja pusemos as rodas a rolar, dando início ao percurso dentro do campo de futebol de cinco por detrás da capela, em que únicos obstáculos existentes eram as duas balizas e, junto ao posto de rádio, um espigão cravado numa base de cimento, que servia para prender os cabos de aço que seguravam as antenas.
Competia-me a mim como seu instrutor de condução, assinalar os obstáculos que iam surgindo no caminho de forma a que nada nem ninguém o atrapalhasse . E então foi mais ou menos assim…
- Tavares olha a baliza!... Tavares olha o espigão da antena!... Tavares olha o espigão da antena… olha, olha!... Pumba, catrapumba um porradão de todo o tamanho e a viatura a cavalo no espigão. Tive ainda tempo de mandar uma mão ao volante e o espigão em vez de entrar pelo radiador dentro e atingir o motor, apenas partiu o braço de direcção e o amortecedor.
Foi uma tragédia das grandes e a sorte daquela macacada é que a maior parte da malta estava em operação e dos que ficaram ninguém se apercebeu do evento. Ao pontapé à roda para a manter alinhada com o trajecto, eu e o meu pessoal conseguimos meter o jipe na oficina.
Depois foi providenciar uma escolta e ir à fazenda do Bombo com o Brinquete, soldar o braço de direcção em que enxertamos um pedaço de tubo galvanizado, de forma aguentar até que nos enviassem um novo. O amortecedor foi retirado de um atrelado da água e, embora ficasse um pouco desajustado foi também aguentando até se arranjar um novo em Quibaxe.
Enquanto não veio um braço de direcção em condições andámos sempre com o “credo na boca”, pois o Taxa Araújo era mesmo um verdadeiro acelera e mais dia menos dia o braço de direcção voltava a partir e podia ser um sarilho dos grandes.
Por vias deste acidente de percurso, vim a ter a minha segunda confrontação com o Comandante Duarte Silva. A primeira tinha sido em Estremoz quando ficou surpreendido por eu apenas correspondido ao seu chamamento quando ele acrescentou “miliciano” ao cabo que ele queria que eu fosse. Pareceu-lhe mal e despachou-me em passo de corrida, não sem antes me dizer que não queria fadistinhas no batalhão.
Palavras dele, que na altura não tiveram grande significado para mim, mas que nem eu nem ele esquecemos.
Uns dias depois, o D.S. veio ao Mucondo passar em revista todo o aquartelamento e deu, para além de outras situações que não me diziam respeito , com o atrelado da água que se encontrava estacionado junto ao refeitório dos soldados, meio torto por não ter um dos amortecedores e, vai daí começou aos “berros” chamando pelo Furriel Mecânico, que era eu.
Não tinha que estar à espera que ele me chamasse de Furriel Mecânico Miliciano e acudi prontamente ao chamamento.
Não havia dúvida, o homem tinha de facto uma memória de elefante e vai daí disse-me - “O nosso cabo miliciano, agora furriel, diga-me qual a razão do atrelado estar como está” - e apontava com o seu bengalão para o sítio onde não estava o amortecedor.
Pacientemente e com a calma de um alentejano que se preza, que ele também era, expliquei-lhe que o amortecedor tinha sido retirado para aplicar no jipe e que apenas aguardava que me fosse satisfeita a requisição, que em devido tempo entreguei no P.A.D. de Quibaxe.
Não satisfeito com a explicação e para ver se me apanhava em falso, pediu-me para lhe mostrar o documento, que foi o que fiz.
Em papéis eu até era organizado e em desenho também me desenrascava mais ou menos, aptidão que veio mesmo de encontro às necessidades do Taxa Araújo, pois começou-me a entregar a elaboração dos mapas e dos croquis para as operações programadas, que ao que parece ficavam bem feitos pois a malta sempre encontrou as zonas de conflito, algumas vezes mesmo sem lá ter posto os pés, e os locais onde as viaturas os recolhiam para regresso ao aquartelamento.

Aulas de condução nunca mais, senão desalinhava.


Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692





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