quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"Como eu entrei na Guerra"




Capítulo 7º




Mucondo. O desconhecido.


Na caixa de uma camioneta de carga, entalado entre malas e caixotes de mercadorias e de G 3 nas unhas, lá me deixei ir até à guerra.
Recordo a chegada à Ponte do Luica, que tinha um pequeno destacamento, onde uma escolta militar de experientes combatentes nos recebeu e levou até ao nosso destino.
Mucondo, uma antiga missão religiosa no alto de um morro, rodeado de arame farpado por todo o lado, em que grande parte das instalações estavam completamente decadentes e um cemitério com campas perfeitamente alinhadas a servir de cartão de visita, logo à entrada da porta de armas.

Ainda na camioneta que me transportou e meio aparvalhado a admirar a “beleza” do local, ouvi perguntar pelo Furriel Mecânico e quando olhei deparei com um homólogo com uma farda muita suja, ainda mais suja que a minha que vinha carregada com o pó da picada.

Assim que assumi a minha identidade o dito cujo colou-se a mim que nem um carrapato e levou-me para o seu alojamento, onde depositei os meus poucos pertences.
Nem tempo tive de limpar o pó e já estava no bar dos sargentos, que lá isso até era razoável, agarrado a um copo de muitas cervejas, acabando por apanhar uma valente carraspana, que se manteve enquanto durou a rendição da companhia.

Foi ligeiramente bem bebido, que conferi e recebi todo o equipamento relacionado com a ferrugem, desde as viaturas, às ferramentas e o combustível. Foi mesmo fartar vilanagem pois desde os panos de lona enrolados que passaram por capotas de unimogs, às ferramentas completamente obsoletas, algumas até artesanais, e um sem número de equipamento inexistente, eu dei como recebido. No caso de discordar de alguma coisa, era porque a “camada” me estava a passar e então lá vinham mais umas “cucas ou nocais”, tanto fazia. Eu que em relação à cerveja até nem era esquisito.

No meio desta cegada toda o Taxa Araújo indica-me como a pessoa mais capaz para gerir as cantinas e foi pior a emenda que o soneto. A maior parte da existência de bebidas que recebi não passava de água engarrafada, com as garrafas devidamente arrolhadas e alinhadas nas prateleiras, em que só as primeiras eram de facto reais. No que diz respeito à cerveja foi mesmo uma completa desgraça pois a quebra nas taras foi de tal ordem que quando veio o primeiro fornecimento não havia vasilhame nem caixas para compensar a cerveja que ficou.

Foi de facto uma tragédia. Quem pagou foi o meu grande amigo Gomes, Furriel de Transmissões que ainda hoje, sempre que nos juntamos nos almoços faz questão de mo recordar.

É verdade e não tenho maneira de o negar, mas o que se passou em nada beliscou a nossa amizade pois nenhum de nós teve culpa . Tanto fazia ser ele ou eu a receber as existências da companhia rendida, que o resultado seria igual, pois o esquema estava montado e nenhum dos aramistas escapou.

A minha sorte (ou a do Taxa Araújo) foi que o Capitão da companhia rendida lhe fez ver que o Furriel Mecânico (cá o alentejano) não tinha tempo para assumir a pasta das cantinas e foi isso que me safou, pois recebi directrizes para passar a pasta ao Gomes. E assim foi, eu recebi “mal” a mercadoria e o Gomes assinou e chumbou-se...

Quando digo que foi a sorte do Taxa Araújo, foi apenas porque eu nunca me conformaria com o corte das férias e aí de facto iríamos ter uma briga das antigas.

Não me envergonho de dizer que o mecânico, muita sujo que eu rendi, ainda me conseguiu convencer a trocar as minhas divisas novinhas, de um dourado brilhante que a minha namorada me ofereceu, pelas suas velhas e muito sebentas. Não havia nada de melhor do que parecer um veterano de guerra. Eu até já tinha uma farda camuflada que era uma autêntica vergonha….

“Vai daí ou despois” no dia da despedida os “ velhinhos” ainda tiveram a amabilidade de nos entupirem os tubos de aspiração do ar de algumas viaturas e de despejarem na lixeira, juntamente com as cinzas do forno, latas de rações de combate, que ao rebentarem durante a noite proporcionaram um verdadeiro pânico dentro do aquartelamento. De facto toda a “maçaricada” correu para os abrigos de arma na mão para repelir o ataque das “latas de ração de combate”. Instalou-se o caos no aquartelamento até que o capitão se apercebeu do que se passava e conseguiu restabelecer a calma. Era um verdadeiro guerreiro aquele homem.





Unimogs com os tubos do ar entupidos com
desperdício. Herança da companhia rendida
Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692








































































2 comentários:

  1. "Cap." Taxa Araujo:
    Jorge Amado, Ex. Alf.Mil. da CART3374-"OS CENTURIÕES" e estivemos no Bom Jesus do Úcua em Angola. Já estou "COTA" (65 anos) e gostava de saber de si. Os meus contactos são Amado.4@gmail.com e 962996834. Um abraço parta si e para a sua Companhia.

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  2. Descobri hoje o este Blog...
    Tambem estive em Mucondo cerca de 15 meses ( Maio de 73 a Set 74), como Furr. Milº Ranger integrado na 2ª Cª do Bat. Cav. 8322/72.
    Assim, tudo o que se relaciona com o Mucondo me interessa, pois apesar de tudo...tenho saudades desse tempo e dos camaradas desse tempo, Lá tivemos tres mortos e muitos feridos: foi o reverso da medalha!
    Um abraço a todos os que por lá passaram.
    Armando Dias

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