segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"Como eu entrei na Guerra"

Capítulo 8º

A vida de um aramista que de mecânico auto apenas tinha o nome.


Mecânico auto eu? Estava a guerra bem arranjada se estivesse à espera que eu mexesse uma palha para reparar alguma viatura.
O meu serviço consistia exclusivamente em gerir uma secção em que os mecânicos e os condutores estavam devidamente especializados e preparados para o que desse e viesse. Por alguma razão resolveram, no final da comissão, dar um louvor especial ao pessoal sob o meu comando directo devido à sua enorme capacidade para o desenrascanço.
Para além das escalas de serviço para os condutores e mecânicos ainda tinha a responsabilidade de gerir as existências dos combustíveis, as requisições de material e a sua aplicação nas diferentes viaturas através da gestão das ordens de trabalho. Enfim apenas escrita e mais escrita, ou seja o trabalhinho mesmo à maneira para um mecânico de caneta.
É precisamente nesta fase das minhas memórias que eu presto homenagem aos meus camaradas ferrugentos, que nunca foram meus subordinados mas sim companheiros de aventura, que de facto me apoiaram e safaram o coiro durante a comissão.
O Brinquete, o Fortalezas e o Brito. Mecânicos de excelência que faziam milagres nas velhas e caducas viaturas da companhia, garantindo assim o abastecimento de “carne pra canhão” às acções de guerra programadas na secretaria.
Passarinho, Ramos, Narciso, Camarinha, Alfacinha, Vitorino, Primo, Louro, Conceição, condutores de eleição que graças à sua capacidade e perícia conseguiram chegar ao fim da comissão sem acidentes que se possam considerar graves. Lembro-me de o capitão referir que teve conhecimento de que algumas emboscadas foram abortadas em virtude da velocidade que os nossos condutores metiam às suas viaturas na picada.
De todos eles guardo saudade e respeito pois partilharam comigo momentos especiais que devem ser recordados sem qualquer preconceito, pois fazem parte da nossa história.
As minhas actividades no “arame”, denominação simpática do aquartelamento, distribuíam-se pelo escritório da oficina auto, os jogos de futebol de cinco, as idas a Quibaxe ao pelotão de apoio directo, as escoltas à Fazenda do Bombo quando eram necessárias soldaduras, as idas até ao poço para accionar a bomba que nos abastecia de água e algumas vezes à caça à noite com os fazendeiros.
À noite entre cerveja sim e cerveja sim ou escrevia para a família, para a namorada e madrinhas de guerra ou então alinhava nas normais jogatanas de cartas, desde a lerpa à sueca, passando pelo poker de dados e o king, umas vezes no Bar dos Sargentos outras na ferrugem com os meus companheiros do arame. Recordo com saudade o Pexim, grande amigo e exímio jogador de sueca, que uma vez a meu parceiro, conseguiu tirar os dez trunfos. Ganhámos mas aquilo ia dando pró torto. Era de facto o maior com aquelas cartas sujas e sebentas que já mal deslizavam na mesa de jogo improvisada.

Era de facto uma vida de combatente das antigas em que apenas desalinhava quando me chamavam de aramista. Aí de facto tiravam-me do sério pois eu não me chateava nada de sair para o mato, pois de certeza que não escondia a cabeça num buraco como as avestruzes e nem vinha às cavalitas dos guarda-costas chorando baba e ranho.
É bem possível que algum dos que me chamavam combatente do arame se tenha borrado todo no dia em que ouviu o primeiro tiro.

Tirando o não gostar de ser chamado de aramista continuava a andar alinhado.




Clemente Pinho. Ex-Furriel Mecânico Auto. C.Cav. 2692












































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