quarta-feira, 11 de maio de 2011

"Como eu entrei na guerra"

Não é a continuação das minhas memórias da guerra, mas apenas aproveitar o que o Júnior escreveu sobre a morte do nosso camarada Jorge António e acrescentar mais alguma coisa.


A 2ª parte da comissão, “prémio” dos senhores da guerra aos nossos êxitos no norte de Angola, esteve na origem das mortes inscritas no curriculum do Batalhão de Cavalaria 2909, das quais a do nosso querido camarada Jorge António foi a que mais me marcou, não só pela forma como ele perdeu a vida mas também porque em condições normais faltavam apenas dois meses para o nosso regresso.


É o que se diz "morrer com a praia ali tão perto".


O Jorge António morou ou era natural de Sacavém ou ali de muito perto.


Quando Cabo Miliciano em Sacavém, tive a possibilidade de alugar um quarto fora da unidade onde praticamente todas as noites trocava a minha farda pela roupa civil, pratica corrente de quem gostava de arriscar e adorava a noite.


Uma sobrinha da dona da habitação, de nome Manuela, que trabalhava numa pequena superfície comercial (tipo pingo doce em ponto pequeno) situada na parte alta de Sacavém, tinha, entre várias colegas, uma cujo nome não me recordo, que de vez em quando me desenfiava uns cremes para barba e uns desodorizantes que me via à rasca para pagar. A vida militar naquela altura era complicada…


Por partida do destino um dia, não mais de dois meses depois do acontecimento que vitimou o nosso camarada Jorge António, recebo uma carta dessa moça onde me pedia encarecidamente para lhe contar os pormenores relacionados com a morte do seu primo, assim como as condições em que se encontrava o corpo, de forma a que a família tivesse de facto acesso à verdade, pois as versões que lhe chegaram não eram coincidentes.


Como devem calcular fiquei completamente à rasca e sem saber como actuar fui ter com o Capelão, que depois de me ouvir e ler a carta, me aconselhou a relatar a verdade, deixando ao critério da minha amiga a divulgação ou não da minha informação.


Foi o que fiz. Dias mais tarde recebi uma nova carta a agradecer a informação.


Não cheguei a saber o que de facto foi dito aos familiares mais directos do Jorge António.


Paz à sua alma.


Clemente Pinho – Ex-Furriel Miliciano Mecânico Auto. C.Cav. 2692






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