segunda-feira, 9 de maio de 2011

Atacamos ou comemos primeiro?

Uma tarde apresentou-se no quartel um guerrilheiro e o comandante Taxa Araújo, depois de várias conversas privadas “convenceu-o” a levar-nos à sua sanzala. E calhou ao 4º pelotão ir ao objetivo. Sabíamos que a missão era arriscada, pelo facto de o suposto guia nos poder levar a uma emboscada. Com um pé atrás lá partimos, quando a noite ainda ia a meio, de modo a que as viaturas nos largassem ao clarear da aurora.
Começámos no trilho ainda mal se via. Percorremos primeiro o capinzal sob o habitual cacimbo noturno e depois entrámos na mata, aqui já acompanhados pelos inebriantes cheiros da floresta e pela orquestra das aves que, em cada madrugada, nos brindavam com seus inesquecíveis cantos.
A certa altura começámos claramente a ouvir o ruído característico da sanzala. Os passos tornaram-se mais cautelosos e o ritmo cardíaco aumentou abruptamente. E agora?
O pequeno-almoço tomado no quartel tinha sido leve por ser demasiado cedo, havia horas. E horas era o que o meu estômago já dava. Hesitei em dar prioridade ao ataque. Como todos tinham percebido que estávamos em cima do objectivo, mandei passar palavra, em voz baixa como de costume, a perguntar “atacamos ou comemos primeiro?”. Quando o passa-palavra ia para lá do meio da bicha pirilau, oiço uma voz em alto e bom som: “Eu quero comer já. Se morrer nesta (operação) morro de barriga cheia”. Irritadíssimo, mandei um porrrra!!! dirigido aquele alentejano de goela incontrolada e ordenei a saída do trilho para comermos.
Tudo nas calmas naquele início de manhã radiosa, como se estivéssemos na ponta de um morro e sem pressas de ir a parte alguma, como aqueles que romperam as botas comigo se lembram. Como ruído de fundo continuava o canto das aves. O falatório controlado da sanzala continuava, lá mais abaixo.
Terminado o "repasto" dei ordens para voltar ao trilho. Já de mochila às costas e a dar os primeiros passos….. sai um tiro! O vigia da sanzala, que vinha fazer o habitual reconhecimento do trilho, tinha disparado o chamado tiro de aviso.
A partir deste tiro a guerra era a sério e cada um sabia o que devia fazer. Aí vamos todos em corrida por aquele trilho abaixo, com palavras de ordem apropriadas, que dispenso de recordar. Quando chegámos ao objectivo já não vimos ninguém. Todos tinham fugido para se esconderem, quais perdigotos apanhados desprevenidos no ninho. Para trás tinham deixado os seus parcos haveres e as panelas ao lume com mandioca. Fizemos o que era suposto ser feito e regressámos.
Mas tenho que referir algo de fundamental. A partir do 1º tiro do IN, que aliás penso que foi único da parte deles, quem foi realmente o mobilizador das tropas foi o furriel Sá, o brasileiro. Embora ele não pertencesse ao meu pelotão fez parte daquela operação. Com efeito, com aquela voz de trovão com sotaque brasileiro, transmitia um enorme empolgamento às tropas em acção.
Devo a todos o sucesso da operação. Mas a actuação do furriel Sá foi decisiva.
Que será feito dele?

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