BCAV 2909
HISTÓRIA DA
UNIDADE
(CONTINUAÇÃO)
(02.0001)
SITUAÇÃO GERAL
TERRENO
GENERALIDADES
Apreciação
genérica da região
O subsector “ZBA”, compreendendo parte dos distritos de
Luanda e Uige, tem a configuração aproximada de um trapézio escaleno, com uma
superfície de cerca de 1650 Km2. Encontra-se situado em zona de
altitudes médias entre os 550 e os 1100 metros.
O clima é temperado e de um modo geral podemos considerar
toda a região com índice de pluviosidade elevada, pouco calor e saudável.
A zona é muito rica em linhas de água sendo os pricipais
rios o Dange (limite S), o seu afluente Luica, o afluente deste Suege e o
Lifune.
O terreno é bastante
acidentado e arborizado com quatro maciços principais. Um a NW, região de Gonguenegongo,
correndo as suas águas para o Cangoa e Lifune, outro a N e NE, região de
Muhombo, correndo as águas para o Suége, Lué e Quihua, outro central, região do
Mufuque – 1020, correndo as águas para o Dumbi, Zungo e Suége e outro a SE,
correndo as águas para o Suége e Luica. É também característica, pela sua
dificuldade de acesso, a região do Lulumba a SW.
A rede rodoviária encontra-se, de um modo geral, em mau
estado, com excepção da rampa do Luica, numa extensão de 5 km, que foi
beneficiada de solo-cimento e asfaltada.
O Subsector dispõe de pistas de aterragem em Zemba, Mucondo
e Cambamba, além de outras nas fazendas, que permitem a aterragem de aviões do
tipo DO-27 e Auster. Em Santa Eulália, sede da AM1, existe uma pista que
permite a aterragem de aviões do tipo Nord’Atlas e T-6.
A população nativa pertence aos grupos étnicos-linguísticos
Luangos e Bahungos.
Condições
meteorológicas
Descrição
São sensivelmente as mesmas as condições climatéricas das
diferentes regiões do Subsector. Podem considerar-se duas estações ou épocas: a
das chuvas, de meados de Outubro a Maio e a seca, vulgarmente conhecida por
“cacimbo”, que vai de meados de Maio a meados de Outubro.
Com mais rigor, podem considerar-se quatro períodos
distintos durante o ano:
- Pequenas chuvas: de Outubro
a Dezembro, com excepção do mês de Novembro, que pode ser integrado nas grandes
chuvas.
- Pequeno cacimbo: em Janeiro
e Fevereiro.
- Grandes chuvas: em Março e
Abril.
- Grande cacimbo: de Maio a
Setembro.
A estação das chuvas é caracterizada por grande
pluviosidade, aumento de temperatura e grande humidade.
Durante esta época, há dias de calor intenso, em especial
das 11h00 às 15h00, seguido de aguaceiros que, normalmente, são precedidos e
acompanhados por fortes ventos e trovoadas que se formam, normalmente, da parte
da tarde e são certas quando pelo meio-dia o sol é brilhante e quente.
Nesta época as chuvas afectam sensivelmente o estado dos
itinerários, que ficam, na maior parte, intransitáveis.
A estação do cacimbo caracteriza-se pela ausência de chuva,
descida de temperatura, contraste apreciável de temperatura entre as horas em
que o sol brilha e as restantes e pela existência de um forte “cacimbo” durante
a noite, o qual se mantém até cerca das 09h00 da manhã, chegando mesmo a
sentir-se frio, desde o anoitecer até às 09h00 ou 10h00.
As condições de visibilidade e nebulosidade são más,
normalmente desde o nascer do sol até às 11h00. Em noites de luar, deviso à sua
intensidade, há boas condições de visibilidade a curtas distâncias.
Influência sobre o
Inimigo (IN)
As condições meteorológicas referidas anteriormente, mesmo
no seu aspecto mais desfavorável, apenas exercem uma limitada influência sobre
o IN, em virtude do mesmo, ou ser oriundo da região ou de regiões com
características climáticas semelhantes, estar, portanto, perfeitamente
aclimatado.
A sua maneira de actuação e o modo como efectua os
deslocamentos também não sofrem quaisquer limitações.
A época do cacimbo favorece a sua acção na medida em que se
pode aproximar dissimuladamente das Nossas Tropas (NT), dada a restrição de
visibilidade durante a noite e primeiras horas da manhã.
Influência sobre o
cumprimento da nossa missão
O clima de certo modo benigno existente na região apenas
afecta levemente as NT, a não ser na época de cacimbo em que é frequente a
existência de doenças do aparelho respiratório. Há contudo que referir a existência
de muitos casos de paludismo, não obstante as medidas profilácticas tomadas.
A influência mais marcante das condições meteorológicas
sobre a actuação das NT, verifica-se na época das chuvas. Com efeito, o grande
índice de pluviosidade torna praticamente intransitável a quase totalidade dos
itinerários existentes, quer actuando sobre o piso dos mesmos, quer pela
destruição de pontes e pontões, levados pelas enxurradas. Nesta época são
particularmente difíceis as deslocações em viaturas e mesmo a pé através das
regiões alagadiças que existem na região.
A época seca facilita o movimento das NT e a detecção dos
elementos IN, principalmente depois de meados de Julho, quando são feitas as
queimadas. Esta época é, portanto, a mais favorável para a realização de
operações em grande escala, embora os meios aéreos, normalmente, só possam ser
utilizados, sem quaisquer restrições, a partir das 13h00.
A existência de “cacimbo” durante a noite e primeiras horas
da manhã prejudica a acção das NT na medida em que restringem a visibilidade.
(Extraído do relatório do Comandante Duarte Silva, depositado no Arquivo
Histórico Militar – Lisboa)
NOTA
COMPLEMENTAR
Esta apreciação
feita pelo Comandante Duarte Silva está, na minha opinião, feita com rigor
objectivo. Apenas porque, para quem não viveu a realidade no terreno, pode não
fazer uma interpretação certa, devo acrescentar as seguintes considerações.
A época
do “cacimbo” era extremamente taciturna, triste, dias cinzentos em que pouco se
via o sol. Aliás costumava dizer-se, quando alguém andava aborrecido ou triste,
ou deprimido, que “estava com o cacimbo”. Era de facto uma época extremamente
húmida, fria, de enregelar os ossos. O “cacimbo” é uma espécie de nevoeiro de
chuva. Parece que não chove mas molha tudo.
A época
das chuvas era mais quente, mas de facto as picadas ficavam autênticos
pantanais, os trilhos pareciam ribeiros, a terra ficava que nem manteiga. Por
volta das cinco da tarde começava a levantar-se uma brisa que ia ganhando vigor
até se transformar em vento forte. Procurava-se então preparar o terreno para
passar a noite. Preparar o terreno era normalmente procurar alisar a terra, o que se tornava difícil devido às raízes da flora (da densa flora da selva). Quando
havia possibilidades tentava-se construir uma espécie de tenda, normalmente com
dois “telhados” e, se houvesse por perto, cobrir tudo com folhas de bananeira.
Tinha que se comer rapidamente a ração de combate pois depressa caia a noite
(na selva densa, muito mais depressa pois por vezes mesmo durante o dia o que
havia era quase uma penumbra, sem qualquer vislumbre do céu). Pouco depois de
começar a chover, era vulgar a água passar a correr por debaixo da tenda (e dos
nossos corpos) e não havia mais volta a dar. Era como se dormíssemos até de manhã,
cerca das cinco, dentro de uma banheira. Como estávamos numa zona de planalto,
se durante o dia era um braseiro à noite era uma geleira). Ou seja, dormitar
(se tal se conseguisse) durante doze horas encharcados de água e enregelados.
Algumas vezes o “despertador” teve o som, não de campainha, mas de tiros. As
trovoadas eram de tal forma violentas que o trovão, do raio que caía próximo
(ou não fosse o círculo formado por nós, com as armas e outros metais, dentro
de água e debaixo de vegetação, um atractivo para os relâmpagos) chegavam a dar
a idéia de um ataque com explosivos.
Quando,
de manhã, se continuava a progressão dentro da selva (abrindo caminho à
catanada para evitar emboscadas ou armadilhas), apesar de ter deixado de
chover, as gotas grossas continuavam a cair das folhas como se de chuva se
tratasse. E por vezes era assim toda a manhã, com escorregadelas e tropeções
pelo meio, na terra amanteigada. Tinha uma vantagem. Se a água tivesse acabado
nos cantis, sempre dava para lamber as folhas das árvores e dos arbustos e
dessa forma matar a sede.
Quando
saíssemos para uma zona de capim, já não havia água a cair e entrávamos no
braseiro, com um calor sufocante e o camuflado, se não se tivesse camisola
interior, assentava como um ferro de engomar nos ombros. Por isso, usávamos
normalmente a camisola interior. A experiência que se ia adquirindo dizia-nos
que a camisola interior, ensopada de suor, funcionava como um filtro para a
temperatura escaldante e acabava por ser uma peça de roupa refrescante (o calor
continuava, entenda-se, mas o tecido que estava em contacto com a pele já não
era o do camuflado, mas sim o da camisola interior, molhada).
As
condições climatéricas eram de facto extremamente importantes para a acção no
terreno. Muitas vezes dizíamos que o pior não seriam as balas (enquanto as
ouvíssemos, estávamos vivos), mas sim o calor, o frio, a chuva, a sede que, por
sua vez provocava a fome, pois dado que as rações de combate eram muito
salgadas e gordurosas, quando não havia água o melhor era não comer, para não
intensificar a sede (e consequente desidratação). E em muitas operações não era
difícil o cantil ficar sem água. Não havia torneiras à mão. Nem sempre havia
cursos de água. A língua ficava como uma lixa. E a operação não podia parar “só
por causa disso”…
Esta é a
experiência que tive. Outros terão tido outras, certamente. Mas não devem
divergir muito.
(António Gonçalves – Furriel atirador do 3º Grupo de Combate da CCav
2692)
(CONTINUA)
Naturalmente a minha experiência é exactamente igual mas não a saberia descrever com tanta maestria e rigor como o Gonçalves o faz!
ResponderEliminarObrigado
João Vieira