segunda-feira, 12 de novembro de 2012

HISTÓRIA DO BCAV 2909



BCAV 2909
HISTÓRIA DA UNIDADE
(CONTINUAÇÃO)
(02.0001)

SITUAÇÃO GERAL

TERRENO

GENERALIDADES

 Apreciação genérica da região
O subsector “ZBA”, compreendendo parte dos distritos de Luanda e Uige, tem a configuração aproximada de um trapézio escaleno, com uma superfície de cerca de 1650 Km2. Encontra-se situado em zona de altitudes médias entre os 550 e os 1100 metros.
O clima é temperado e de um modo geral podemos considerar toda a região com índice de pluviosidade elevada, pouco calor e saudável.
A zona é muito rica em linhas de água sendo os pricipais rios o Dange (limite S), o seu afluente Luica, o afluente deste Suege e o Lifune.
 O terreno é bastante acidentado e arborizado com quatro maciços principais. Um a NW, região de Gonguenegongo, correndo as suas águas para o Cangoa e Lifune, outro a N e NE, região de Muhombo, correndo as águas para o Suége, Lué e Quihua, outro central, região do Mufuque – 1020, correndo as águas para o Dumbi, Zungo e Suége e outro a SE, correndo as águas para o Suége e Luica. É também característica, pela sua dificuldade de acesso, a região do Lulumba a SW.
A rede rodoviária encontra-se, de um modo geral, em mau estado, com excepção da rampa do Luica, numa extensão de 5 km, que foi beneficiada de solo-cimento e asfaltada.
O Subsector dispõe de pistas de aterragem em Zemba, Mucondo e Cambamba, além de outras nas fazendas, que permitem a aterragem de aviões do tipo DO-27 e Auster. Em Santa Eulália, sede da AM1, existe uma pista que permite a aterragem de aviões do tipo Nord’Atlas e T-6.
A população nativa pertence aos grupos étnicos-linguísticos Luangos e Bahungos.

Condições meteorológicas
Descrição
São sensivelmente as mesmas as condições climatéricas das diferentes regiões do Subsector. Podem considerar-se duas estações ou épocas: a das chuvas, de meados de Outubro a Maio e a seca, vulgarmente conhecida por “cacimbo”, que vai de meados de Maio a meados de Outubro.
Com mais rigor, podem considerar-se quatro períodos distintos durante o ano:
- Pequenas chuvas: de Outubro a Dezembro, com excepção do mês de Novembro, que pode ser integrado nas grandes chuvas.
- Pequeno cacimbo: em Janeiro e Fevereiro.
- Grandes chuvas: em Março e Abril.
- Grande cacimbo: de Maio a Setembro.
A estação das chuvas é caracterizada por grande pluviosidade, aumento de temperatura e grande humidade.
Durante esta época, há dias de calor intenso, em especial das 11h00 às 15h00, seguido de aguaceiros que, normalmente, são precedidos e acompanhados por fortes ventos e trovoadas que se formam, normalmente, da parte da tarde e são certas quando pelo meio-dia o sol é brilhante e quente.
Nesta época as chuvas afectam sensivelmente o estado dos itinerários, que ficam, na maior parte, intransitáveis.
A estação do cacimbo caracteriza-se pela ausência de chuva, descida de temperatura, contraste apreciável de temperatura entre as horas em que o sol brilha e as restantes e pela existência de um forte “cacimbo” durante a noite, o qual se mantém até cerca das 09h00 da manhã, chegando mesmo a sentir-se frio, desde o anoitecer até às 09h00 ou 10h00.
As condições de visibilidade e nebulosidade são más, normalmente desde o nascer do sol até às 11h00. Em noites de luar, deviso à sua intensidade, há boas condições de visibilidade a curtas distâncias.
Influência sobre o Inimigo (IN)
As condições meteorológicas referidas anteriormente, mesmo no seu aspecto mais desfavorável, apenas exercem uma limitada influência sobre o IN, em virtude do mesmo, ou ser oriundo da região ou de regiões com características climáticas semelhantes, estar, portanto, perfeitamente aclimatado.
A sua maneira de actuação e o modo como efectua os deslocamentos também não sofrem quaisquer limitações.
A época do cacimbo favorece a sua acção na medida em que se pode aproximar dissimuladamente das Nossas Tropas (NT), dada a restrição de visibilidade durante a noite e primeiras horas da manhã.
Influência sobre o cumprimento da nossa missão
O clima de certo modo benigno existente na região apenas afecta levemente as NT, a não ser na época de cacimbo em que é frequente a existência de doenças do aparelho respiratório. Há contudo que referir a existência de muitos casos de paludismo, não obstante as medidas profilácticas tomadas.
A influência mais marcante das condições meteorológicas sobre a actuação das NT, verifica-se na época das chuvas. Com efeito, o grande índice de pluviosidade torna praticamente intransitável a quase totalidade dos itinerários existentes, quer actuando sobre o piso dos mesmos, quer pela destruição de pontes e pontões, levados pelas enxurradas. Nesta época são particularmente difíceis as deslocações em viaturas e mesmo a pé através das regiões alagadiças que existem na região.
A época seca facilita o movimento das NT e a detecção dos elementos IN, principalmente depois de meados de Julho, quando são feitas as queimadas. Esta época é, portanto, a mais favorável para a realização de operações em grande escala, embora os meios aéreos, normalmente, só possam ser utilizados, sem quaisquer restrições, a partir das 13h00.
A existência de “cacimbo” durante a noite e primeiras horas da manhã prejudica a acção das NT na medida em que restringem a visibilidade.
(Extraído do relatório do Comandante Duarte Silva, depositado no Arquivo Histórico Militar – Lisboa)

NOTA COMPLEMENTAR
Esta apreciação feita pelo Comandante Duarte Silva está, na minha opinião, feita com rigor objectivo. Apenas porque, para quem não viveu a realidade no terreno, pode não fazer uma interpretação certa, devo acrescentar as seguintes considerações.
A época do “cacimbo” era extremamente taciturna, triste, dias cinzentos em que pouco se via o sol. Aliás costumava dizer-se, quando alguém andava aborrecido ou triste, ou deprimido, que “estava com o cacimbo”. Era de facto uma época extremamente húmida, fria, de enregelar os ossos. O “cacimbo” é uma espécie de nevoeiro de chuva. Parece que não chove mas molha tudo.
A época das chuvas era mais quente, mas de facto as picadas ficavam autênticos pantanais, os trilhos pareciam ribeiros, a terra ficava que nem manteiga. Por volta das cinco da tarde começava a levantar-se uma brisa que ia ganhando vigor até se transformar em vento forte. Procurava-se então preparar o terreno para passar a noite. Preparar o terreno era normalmente procurar alisar a terra, o que se tornava difícil devido às raízes da flora (da densa flora da selva). Quando havia possibilidades tentava-se construir uma espécie de tenda, normalmente com dois “telhados” e, se houvesse por perto, cobrir tudo com folhas de bananeira. Tinha que se comer rapidamente a ração de combate pois depressa caia a noite (na selva densa, muito mais depressa pois por vezes mesmo durante o dia o que havia era quase uma penumbra, sem qualquer vislumbre do céu). Pouco depois de começar a chover, era vulgar a água passar a correr por debaixo da tenda (e dos nossos corpos) e não havia mais volta a dar. Era como se dormíssemos até de manhã, cerca das cinco, dentro de uma banheira. Como estávamos numa zona de planalto, se durante o dia era um braseiro à noite era uma geleira). Ou seja, dormitar (se tal se conseguisse) durante doze horas encharcados de água e enregelados. Algumas vezes o “despertador” teve o som, não de campainha, mas de tiros. As trovoadas eram de tal forma violentas que o trovão, do raio que caía próximo (ou não fosse o círculo formado por nós, com as armas e outros metais, dentro de água e debaixo de vegetação, um atractivo para os relâmpagos) chegavam a dar a idéia de um ataque com explosivos.
Quando, de manhã, se continuava a progressão dentro da selva (abrindo caminho à catanada para evitar emboscadas ou armadilhas), apesar de ter deixado de chover, as gotas grossas continuavam a cair das folhas como se de chuva se tratasse. E por vezes era assim toda a manhã, com escorregadelas e tropeções pelo meio, na terra amanteigada. Tinha uma vantagem. Se a água tivesse acabado nos cantis, sempre dava para lamber as folhas das árvores e dos arbustos e dessa forma matar a sede.
Quando saíssemos para uma zona de capim, já não havia água a cair e entrávamos no braseiro, com um calor sufocante e o camuflado, se não se tivesse camisola interior, assentava como um ferro de engomar nos ombros. Por isso, usávamos normalmente a camisola interior. A experiência que se ia adquirindo dizia-nos que a camisola interior, ensopada de suor, funcionava como um filtro para a temperatura escaldante e acabava por ser uma peça de roupa refrescante (o calor continuava, entenda-se, mas o tecido que estava em contacto com a pele já não era o do camuflado, mas sim o da camisola interior, molhada).
As condições climatéricas eram de facto extremamente importantes para a acção no terreno. Muitas vezes dizíamos que o pior não seriam as balas (enquanto as ouvíssemos, estávamos vivos), mas sim o calor, o frio, a chuva, a sede que, por sua vez provocava a fome, pois dado que as rações de combate eram muito salgadas e gordurosas, quando não havia água o melhor era não comer, para não intensificar a sede (e consequente desidratação). E em muitas operações não era difícil o cantil ficar sem água. Não havia torneiras à mão. Nem sempre havia cursos de água. A língua ficava como uma lixa. E a operação não podia parar “só por causa disso”…
Esta é a experiência que tive. Outros terão tido outras, certamente. Mas não devem divergir muito.

(António Gonçalves – Furriel atirador do 3º Grupo de Combate da CCav 2692)

(CONTINUA)

1 comentário:

  1. Naturalmente a minha experiência é exactamente igual mas não a saberia descrever com tanta maestria e rigor como o Gonçalves o faz!
    Obrigado
    João Vieira

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