domingo, 13 de março de 2011

“Furriel Gonçalves, o que se faz quando se passa por um superior?...”

Vem esta recordação a propósito do Pinho andar de candeias às avessas com o capitão Taxa Araújo.

Naquela época era normal o pessoal que ia para a tropa não gostar muito dos militares de carreira, porque considerados comprometidos com a guerra colonial e, por consequência com o regime. Isto nem sempre correspondia à realidade, mas era habitualmente interpretado assim. Além de que a cadeia de comando raramente é bem vista.

Eu não fugia à regra e também não gostava dos militares de carreira. Nem da exacerbada disciplina da Escola Prática de Cavalaria (de onde, por ironia, viria a sair uma das colunas fundamentais do 25 de Abril), embora a compreendesse num tempo de guerra, sobretudo quanto à preparação física e ao treino psicológico, fundamentais na guerra de guerrilha que nos esperava em África.

Vem isto a propósito do meu (também) abertamente difícil relacionamento com o capitão Taxa Araújo, comandante da nossa Companhia. Ambos nos tolerávamos, mas não nos suportávamos facilmente.

Uma vez, já não me recordo da data, mas ainda foi no Mucondo, passámos um pelo outro, na “parada” (o pequeno terreiro entre as messes, os quartos dos furriéis e a capela, no meio do qual estava hasteada a bandeira nacional).

Eu fiz a continência (cumprimento militar devido a um superior), mas o Taxa não correspondeu com a sua continência (resposta devida ao cumprimento de um subalterno).

Deixei passar (“ficas para a próxima”, pensei com os meus botões)…

No dia seguinte voltámos a cruzar-nos no mesmo terreiro. Passei por ele sem fazer continência. Mal nos cruzámos, eis um enorme berro:

- Furriel Gonçalves, o que se faz quando se passa por um superior????!!!!

- Faz-se a continência, meu capitão...

- Então porque não fez a continência????!!!

- Porque é dever do superior responder igualmente com uma continência, coisa que o meu capitão ontem não fez…

- !!!!!...

- Ora se o meu capitão não cumpre com a sua parte, eu não estou obrigado a cumprir com a minha…

E virei costas. Não vi mas deu para sentir que ele terá ficado surpreendido, pois não disse ai nem ui.

Da vez seguinte em que nos voltámos a cruzar, sentia-se no ar alguma tensão, mas fiz a continência, ao que o Taxa respondeu com a sua continência.

(Toma lá qu’é p’ra aprenderes, pensei, continuando o meu caminho sem me voltar…).

Na guerra também se põem os superiores “em sentido”, o respeitinho é muito bonito e deve ser recíproco…

Este foi apenas um episódio, apesar de, mesmo não gostando de militares de carreira e odiar a guerra, sentir grande respeito pelo capitão Taxa Araújo homem destemido, um guerreiro de enorme coragem, com um sangue frio invulgar perante o perigo e sempre desejoso do combate. E sabia também que não era nada fácil comandar um conjunto de uma centena de homens (num conflito no qual muitos estavam contrariados) e gerir a “estadia” de forma a trazê-los de volta para as suas famílias.

Não morria de amores pelo capitão Taxa Araújo e penso que ele também não gostava muito de mim. Mas respeitava-o profundamente e penso que ele também respeitava a minha maneira de ser e de pensar. Foi esse respeito que me fez arriscar naquela desafiadora atitude. Creio que ambos ficámos a ganhar.

António Gonçalves

1 comentário:

  1. Para evitar essas situações,eu descobri um método
    melhor, andava sempre que possivel sem nada na
    cabeça assim não tinha que fazer a saudação mili-
    tar e alimentava o meu ego de civil que sempre
    me considerei.De resto concordo com o que dizes
    até porque já na academia os militares de carrei-
    ra recebiam lições de prepotência.
    A razão mede-se pelos galões....

    ResponderEliminar