No passado dia 26 de Maio decorreu o almoço de confraternização, neste ano realizado ao nível do batalhão, por iniciativa de alguns camaradas, particularmente o Alberto Ferreira, de forma a poder ser prestada homenagem ao comandante Duarte Silva, na comemoração do 40º aniversário do regresso do batalhão de Angola, cumpridos que foram 26 meses de comissão.

Após a missa, na capela do cemitério do Espinheiro, em Évora, presidida pelo Padre Domingos Carneiro, à época capelão do batalhão, em memória dos caídos em combate e dos entretanto falecidos,
teve lugar, no mesmo cemitério, a homenagem ao comandante do batalhão, então tenente-coronel Duarte Silva, personalidade que, seja qual for a opinião pessoal que cada qual tenha de si, fica na memória de todos como um comandante totalmente empenhado na missão que lhe tinha sido confiada, honrando a sua opção de vida militar numa aliança de compromisso de trazer de volta os militares que embarcavam para uma guerra longínqua, em terras totalmente estranhas, apartados das famílias e desafiando um futuro tremendamente incerto.
Aqui fica o discurso proferido pelo então capitão, comandante da CCav2690, Furtado Dias.
Excelentíssimas Senhoras
Excelentíssimos
Senhores, Familiares do General Duarte Silva
Companheiros
Veteranos e Amigos
No passado dia 17 de Março o
Alberto Ferreira contatou-me para dar conta da realização do convívio do BCav
2909 e a data do mesmo.
Nem sempre
tive a oportunidade de estar presente nos vários convívios, pois estou nos
Açores desde 1975, e ao fazer essa comunicação pensei que seria para me alertar
com a devida antecedência.
Mas a comunicação com Alberto Ferreira tinha outra mensagem.
Era a comemoração dos 40 anos de regresso do nosso batalhão ao continente
português e ainda uma outra mais importante – prestar homenagem ao nosso
comandante, Tenente-Coronel Joaquim Miguel de Matos Fernandes Duarte Silva.
Para tal tarefa eu era a pessoa indicada. Pensei de imediato: não faltarei. Mas
respondi que dar-lhe-ia uma resposta em breve. Dois dias passados confirmava a
minha disponibilidade.
Aqui estou a dar testemunho sobre aquele que “da
lei da vida se libertou” mas que está sempre presente no pensamento e coração
de todos nós, e neste testemunho tentarei interpretar o sentimento geral de
todos aqueles veteranos do BCav2909 pois a sua postura perante todos nós marcou
de forma indelével a sua personalidade.
Esse tempo vivido e partilhado
connosco talvez desconhecido dos seus familiares atribuiu-me uma
responsabilidade acrescida que espero corresponder e levar a bom termo a
empresa.
Retrocedo
40 anos e peço que me acompanhem no percurso que farei, percurso esse que de
uma forma mais ou menos intensa foi partilhado por todos.
No caso
concreto de três capitães (Taxa Araújo, Cuco Rosa e eu) desde a nossa entrada pela
primeira vez na EPC em 1966, para início do tirocínio, o nome Duarte Silva já
andava no ar como uma referência de um “líder” apesar de na altura se encontrar
ausente em Angola.
A partir de 1968, já presente na EPC, começou a haver um
contacto mais direto, pois na altura o então Major Duarte Silva tinha
regressado de Angola.
Com
espírito acutilante e sempre ativo impulsionou palestras sobre a guerra
subversiva aproveitando não só a sua experiência e a de outros oficiais entre
os quais 4 oficiais subalternos (Moura Borges, Matos Gomes, Taxa Araújo e eu)
regressados de África para transmitirem conhecimentos a outros oficiais do QP
que ainda não tinham tido essa experiência.
A sua
devoção ao Exército e Arma de Cavalaria guindava-o para ser considerado um
excelente condutor de homens e com a sua experiência e no contacto que
estabelecia ia transmitindo saber, profissionalismo, sentido de
responsabilidade, honorabilidade, amizade, entre outros sentimentos, e naquele
período que se viviam eram bem necessários e importantes.
Em 1969 são
promovidos ao posto de capitão 3 cursos de tenentes, o nosso incluído e 3
desses capitães foram mobilizados para o BCav2909 cujo comandante seria o
recente promovido Tenente-Coronel Duarte Silva.
A unidade mobilizadora foi, como todos se recordam, o
Regimento de Cavalaria 3 e no final do ano de 1969 começou a articulação do que
viria a ser o nosso batalhão.
Posso
testemunhar, porque estive muito perto do nosso Comandante e recebi dele várias
missões e desde logo manifestou o seu exemplar empenho no planeamento para a
formação e instrução do pessoal com vista a dar a máxima operacionalidade ao
mesmo. Naquela altura já existia doutrina sobre a “guerra subversiva” mas ele
com a sua experiência e alcance de visão foi mais além na preparação do
batalhão.
Todos,
certamente, estão recordados dos exercícios finais da Serra de Ossa, com os
treinos de reação à emboscada, à esquerda e à direita com balões de várias
cores a servirem de alvo e executar-se esses exercícios com bala real, o que
contribuiu para esgotar o stock de munições do regimento mas com este treino
transmitiu autoconfiança a cada homem.
Com tal
preparação o que ele pretendia era dotar todos aqueles homens, com a capacidade
para que cumprissem a missão e todos regressassem para junto das suas famílias.
Essa era a sua responsabilidade e que era partilhada pelos seus capitães.
Era
palpável essa preparação e tanto assim foi que o Comandante do Regimento
Coronel António Maria Rebelo, que tinha de avaliar a performance do batalhão
atribuiu a classificação 1, a mais alta e talvez das poucas atribuídas a
batalhões mobilizados.
A
proximidade de Estremoz a Sousel vem dar o contributo para que surja o lema do batalhão,
“Sus! A eles!”, lembrando o grito dado pelo condestável Nuno Álvares Pereira
para incentivar os seus combatentes à luta antes da batalha dos Atoleiros e do
mesmo modo refletir-se nos homens do BCav2909.
Antes do batalhão embarcar no comboio com destino ao cais da
Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, este desfilou à noite pelas ruas de
Estremoz com o nosso Comandante à frente.
Saindo da
barra de Lisboa o “Niassa” lá nos levou diretamente para Luanda onde nos
esperava o nosso Comandante e o seu oficial de operações, Major Adão Batista.
Do porto de
Luanda para o Grafanil e deste para a área Militar 1 com destino a Zemba,
fomo-nos separando, em primeiro a 2691 com destino a Cambambe, depois a 2692
para o Mucondo e por fim o comando, CCS e a 2690 para Zemba.
Aqui esteve
o batalhão cerca de um ano e nesse período manteve uma intensa atividade
operacional, tendo inclusive o nosso comandante participado em operações dando
assim o exemplo aos seus homens.
Durante esse período e por várias circunstâncias estive
muito perto do nosso comandante e sentia as suas preocupações, as suas
angústias, pois para ele era muito importante a coesão do seu batalhão.
Aproximava-se
o período normal de rotação e terá havido no pensamento de cada um de nós
ideias sobre os possíveis locais de destino.
Recordo-me
da surpresa que foi ao receber-se a notícia de que o batalhão iria para Luanda
para integrar as forças de intervenção do Comando-Chefe. São decorridos muitos
anos para interpretar as reações a essa notícia mas a verdade é que o batalhão,
portanto todos os seus elementos encararam o desafio com estoicismo e vontade
de continuar a cumprir a missão.
O espírito de corpo, a
disciplina incutida e que suscitou uma autodisciplina, a mentalização de uqe
todos estavam imbuídos e que elevava a autoestima fizeram ultrapassar todas as
dificuldades surgidas. Tal era a postura de todo o pessoal, que no período de
descanso em Luanda a sua imagem era de tal ordem que o próprio Preboste fez
referências elogiosas à postura dos nossos militares que se evidenciaram em
relação a outras forças incluindo a da Polícia Militar.
Julgo não ter dúvidas, mesmo havendo o contributo de todos,
mas no fundo estava a marca do nosso Comandante.
A atividade
do batalhão, a sua história, foi registada e condensada num volume retratando
bem quanto foi o esforço despendido. Cada comandante de companhia recebeu um
exemplar. O meu ofereci conjuntamente com dois exemplares de NEP’s,
correspondente o 1º ao período da estada em Zemba e o 2º ao período de
intervenção ao Museu Militar dos Açores, bem como outro material de interesse.
Não
pesquisei, também não seria fácil, se em outros batalhões terão sido elaboradas
NEP’s em situação semelhante à do nosso batalhão mas penso que não cometerei
grave erro se disser que terá sido o único. Tal era a sua preocupação em levar
as recomendações e orientações a todos os elementos, na procura do
perfecionismo, que ao interiorizarem essas regras conduziam a uma
autodisciplina que certamente terá servido para muitos, na altura ainda jovens,
como referência nas suas vidas.
Este HOMEM de que estou
a falar tudo fez e conjuntamente com os seus comandantes de companhia e seus
quadros, Alferes, Sargentos e Praças, para que o BCav2909 fosse honrado e
considerado e acima de tudo todos aqueles que foram chamados a cumprir um
serviço à Pátria regressassem às suas famílias com a consciência tranquila de
dever bem cumprido.
Com um HOMEM desta
têmpera, senhoras e senhores e demias familiares aqui presentes, só podemos
afirmar que estamos muito gratos por o termos tido como nosso COMANDANTE e
manifestar o nosso maior preito àquele HOMEM que também tinha um sentimento
muito forte do conceito de Família.
O ato de colocar uma lápide em sua memória e iniciativa de
elementos do BCav2909, a que todos se associaram, retrata bem o quanto eles
manifestam o orgulho de terem sido comandados por esse HOMEM que, não está
esquecido e permanecerá nos nossos corações.
O nosso
bem-haja à Família Duarte Silva por ter tido no seu seio um ente de tão alto
valor.
Pelo nosso comandante…
“SUS! A ELES!”